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Olá..., Sou Paulo S. Martins, de Ainaro, sou eis seminarista do Seminário Maior de São Pedro e São Paulo Fatumeta, Díli, Timor-Leste (Eis Frater), licenciado em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga-Portugal e sou mestre em Direito Tributária pela mesma escola. Atualmente sou jurista e assessor legal num instituto público em Díli. Ora, esta página criei em 2010 com intuito partilhar pouco conhecimento que eu tenho ao público em geral e aos que têm sempre sede de ciências e informações. Os conhecimentos e as informações que opto por publicar aqui sempre estão relacionados com direito, cultura, família e poemas. Aqui vai a minha página. Portanto, agradeço imenso pelos comentários e sugestões dados para melhorar esta página. Um grande abraço. Paulo Martins

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Esboço esquemático sobre a responsabilidade civil de acordo com as regras do Código Civil


Sumário

I. Considerações introdutórias

1. A atitude tendencial de recusa da responsabilidade

2. A exigência de um agir com responsabilidade

3. O risco geral de vida e a regra “casum sentit dominus”

4. A necessidade de deslocar o dano ocorrido de quem o sofreu para aquele que o causou: a razão de ser da responsabilidade civil

5. As responsabilidades contratual e extracontratual; responsabilidade civil em sentido amplo e em sentido restrito

II. A responsabilidade individual por actos próprios

1. A responsabilidade contratual; a culpa presumida do devedor

2. A responsabilidade extracontratual

a) A responsabilidade por factos ilícitos, baseada na culpa do lesante

aa) A regra geral; o ónus da prova

bb) Os casos de culpa presumida; a inversão do ónus da prova

cc) Os inimputáveis e a sua responsabilidade

dd) A responsabilidade em casos de culpa leve

b) A responsabilidade pelo risco

c) A responsabilidade por factos lícitos

d) Breve referência a casos de responsabilidade não regulados pelo Código Civil, p.ex., a responsabilidade do produtor ou do poluidor

3. A responsabilidade solidária

III. A responsabilidade por actos de outrem

1. A responsabilidade contratual

2. A responsabilidade extracontratual

IV. As limitações da responsabilidade

1. O património do devedor como garantia geral da responsabilidade

2. Limitações por via negocial

a) Limitações contratuais

b) Limitações unilaterais

3. Limitações por via legal

a) A culpa do lesado

b) Considerações de equidade

c) Limites máximos da responsabilidade

d) A separação dos patrimónios

4.A deslocação da responsabilidade para o seguro

V. Considerações finais
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1 Trabalho concebido com fins essencialmente didácticos.
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I. 1. “Nunca ninguém tem culpa, nunca ninguém é responsável, nem pelas praias desfiguradas, nem pelos rios poluídos, nem pelos fogos que destroem a floresta.”1 Parece que podemos concordar com esta observação. Sempre que ocorre um facto causador de um dano não há ninguém que se sinta responsável por ele e, de modo igual, também não há ninguém que aceite arcar com o prejuízo sofrido. “Não fui eu” ou “não tive culpa” ou “não pude fazer nada”; estas ou outras reacções parecidas ouvem-se sempre, e todas elas destinam-se, invariavelmente, para afastar quaisquer responsabilidades. Por outro lado, por parte de quem sofreu o prejuízo, tais reacções, espontâneas, encontram a sua correspondência: a procura, quase instintiva, de alguém que paga. Portanto, o que é que importa é sacudir a responsabilidade ou o prejuízo, fazendo ombrear outros com eles.

Mas acontece, por mais estranho que possa parecer às mentalidades de hoje, que estas reacções não correspondem à realidade legal. Sofrer um dano significa ter sido violado, em princípio, num direito subjectivo. Um direito subjectivo é a expressão do facto de a ordem jurídica, designadamente o direito privado, ter reconhecido a uma pessoa um “domínio” sobre um bem. Todavia, na medida em que a pessoa tem o “domínio” sobre o bem é precisamente ela quem assume os riscos que lhe são inerentes, inclusive o de se verificar um dano ou um prejuízo. Apenas nos precisos casos em que a ordem jurídica prevê que a violação de um direito subjectivo acarreta o dever de indemnizar, o prejuízo acaba por ser afastado de quem o sofreu.

2. O direito privado considera a pessoa humana um ser responsável, melhor dizendo: auto-responsável, e, por conseguinte, o Código Civil (CCiv) diz no seu artigo 130º: “Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.” Com esta disposição a lei civil reconhece autonomia à pessoa humana. Isto significa que uma pessoa pode, de acordo com a sua vontade, tratar em princípio de si própria e dos seus bens com todo o cuidado mas também com o descuido que achar por bem, podendo ser diligente ou negligente, como lhe convém ou como corresponde à sua maneira de ser.

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2. Manuel Alegre, Expresso, 23 de Agosto de 2003, p. 12.
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De facto, o homem possui capacidade para, conforme a sua vontade autónoma, determinar as suas condutas, estabelecer metas, criar ou conformar relações sociais ou jurídicas, escolher e estabelecer o seu modo de vida, aceitar desafios ou assumir responsabilidades. A possibilidade de agir neste sentido significa ter liberdade.

Contudo, antes de agir, o homem deve ponderar os efeitos e os riscos da sua acção (para ele próprio, para familiares, para terceiros ou até para a comunidade), reflectir sobre as consequências e procurar antever os resultados de acordo com a experiência, os conhecimentos, as informações e os aconselhamentos de que dispõe e dentro do humanamente previsível.

De facto, a consciência de incluir na sua decisão de agir (ou a consciência de assumir ou de se identificar com) os efeitos e as consequências dos actos que vierem a ser praticados modera e limita a liberdade de decisão do agente no sentido de evitar voluntarismos, arbitrariedades ou abusos ou de correr riscos de modo irreflectido. Esta constatação vale para todo e qualquer tipo de actividade. Agir livremente significa por isso assumir os riscos e as consequências dos actos praticados, ou seja, ser responsável. É precisamente este modo de agir que representa uma prerrogativa e um ónus do homem. Por outro lado, é também precisamente este modo de agir que muitas vezes não é seguido.

3. Acresce que o homem há-de assumir também riscos independentemente da sua vontade. Porque viver significa arcar com os riscos próprios da vida. Estes riscos são vários, mudando com a evolução dos tempos, e podem afectar tanto a pessoa como os seus bens. Em parte são evitáveis (homem prevenido vale por dois), em parte não o são. Há riscos cuja concretização pode mesmo arruinar a existência privada da pessoa. Pertencem aqui a doença, a invalidez, a morte, a dissolução do casamento (ou, também, da união de facto) e a responsabilidade civil. Estes riscos da sua vida uma pessoa não os pode eliminar, embora possa procurar evitá-los ou, em parte, atenuá-los ou adiá-los. P.ex., uma pessoa vai regularmente ao seu médico, não pratica desportos perigosos, não aceita o transporte gratuito (“boleia”) de alguém manifestamente embriagado, não casa (ou não se divorcia; ou o divórcio revela-se como um remédio de uma situação insustentável) ou não se envolve em negócios demasiadamente arriscados.

Todavia, casos há – e são muitos – em que a concretização do risco e, com ele, a ocorrência do dano, não se conseguem prevenir ou são até o preciso resultado da conduta negligente da pessoa prejudicada. Nestes casos a verdade é a de que a pessoa prejudicada assume todos os efeitos danosos. Ela arca com os prejuízos sofridos na sua pessoa ou nos seus bens. “Casum sentit dominus” diziam os velhos romanos. De facto, uma pessoa não se pode subtrair de todo aos riscos que a ameaçam na sua vida ou nos seus bens. Esta é a realidade. E é desta realidade que parte a lei civil: o prejuízo é suportado por quem o sofrer – como já constatámos.

4. Contudo, a justeza do princípio de que o prejuízo é de suportar por parte de quem o tiver sofrido gere logo dúvidas quando olharmos para as circunstâncias concretas em que ele pode ter surgido. Vejamos os seguintes exemplos: a) um comprador não paga o preço da coisa comprada por ter perdido no jogo; assim, o vendedor fica (para já) sem o dinheiro devido; b) na “época de fogos”2 um proprietário vê arder um pinhal seu porque durante uma trovoada seca caiu um relâmpago que o incendiou; c) o proprietário vê arder o seu pinhal porque houve fogo posto por um vizinho rancoroso; d) o proprietário vê arder o seu pinhal que foi incendiado por crianças ou por um débil mental; e) uma pessoa, ao dar um passeio à noite, é atropelada por um carro cujo condutor perdeu o controlo de direcção sobre o veículo porque furou um pneu das rodas de frente quando passou por cima de um buraco na estrada; f) para se defender do ataque de um cão, uma pessoa arranca a bengala a um cego e, ao bater no cão, parte a bengala; além disso, o cego perde o equilíbrio, cai e fica com um ligeiro hematoma; g) uma senhora, querendo fazer um telefonema com o seu telemóvel, sofre graves queimaduras na cara porque, inexplicavelmente, o telemóvel explodiu. Na verdade, pretender aplicar em todas estas situações, indiscriminadamente, o princípio “casum sentit dominus” não parece nem adequado nem justo.

É neste contexto que surge a responsabilidade civil. A sua razão de ser e função fundam-se na necessidade de deslocar um dano ocorrido de quem o sofreu, o lesado, para aquele que o causou, o lesante, e isto de acordo com determinados critérios legais, iguais para todos. A responsabilidade civil pressupõe assim a ocorrência de um dano e o dever de indemnizar este dano, precisamente por parte do lesante, na medida em que o dano vai para além do risco geral de vida que o lesado deve assumir (em sintonia com as concepções reinantes e o estado de evolução social). Nestes termos, deve indemnizar aquele a quem o facto causador do dano é imputado por lei.

Segundo o art. 562.º CCiv “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Vale o princípio da reconstituição natural. Neste contexto “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (art. 564.º, n.º1), ou seja, a indemnização abrange ainda os chamados lucros cessantes. Todavia, “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566.º, n.º 1).
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2 Circunstâncias semelhantes são as épocas de nevoeiro ou as alturas da chuva em que se sucedem, com frequência, acidentes de viação devidos, evidentemente, ao nevoeiro e à chuva …
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5. Como mostram os exemplos referidos, os danos e a correspondente responsabilidade civil poderão encontrar o seu fundamento num contrato, um negócio jurídico, ou fora dele. Daí que se distingue a responsabilidade contratual da responsabilidade extracontratual, ambos compreendidos pelo conceito da “responsabilidade civil em sentido amplo”. Contudo, as responsabilidades contratual e extracontratual têm origens bem distintas. Na primeira, a razão última para a responsabilidade resulta sempre de vínculos criados por uma vontade autónomo-privada, sendo de ajuizar, por isso, o resultado danoso em função desta vontade privada. Na segunda, bem pelo contrário, não se trata de ajuizar vontades autónomo-privadas e os resultados dela decorrentes mas são de avaliar, isso sim, condutas ilícitas, ou seja, condutas desconformes com a lei, às quais esta reage normalmente com efeitos sancionatórios.

A sistematização do CCiv, ao regular a matéria da responsabilidade civil, diferencia entre as duas modalidades referidas, atendendo às suas origens distintas, e trata-as em contextos diferentes. A responsabilidade contratual aparece, deste modo, inserida na matéria do não cumprimento do contrato (arts. 790.º e ss.). A responsabilidade extracontratual, por seu lado, ocupa o seu lugar entre as fontes das obrigações, sendo precisamente a última destas (arts. 483.º e ss.).

O CCiv equipara na sua terminologia a responsabilidade extracontratual à responsabilidade civil, utilizando assim um conceito de “responsabilidade civil em sentido restrito”. Esta diferenciação corresponde, de resto, também ao facto de a responsabilidade contratual atender à violação de direitos relativos, que obrigam apenas as partes entre si (art. 406.º, n.º 1, 1.ª parte: “pacta sunt servanda), enquanto a responsabilidade extracontratual respeita à violação de direitos absolutos,3 cuja observância se impõe a todos.

II. Por via de regra, a responsabilidade do lesante é individual e respeita a actos próprios. O princípio-base em que assenta é o facto de o lesante ter agido com culpa o que exprime, por isso mesmo, uma censura ao seu comportamento. É na culpa, e não tanto na necessidade de reparar os danos causados ao lesado, que reside a justificação originária da responsabilidade. Visto nestes termos, a responsabilidade tem um fundamento ético, decorrente da concepção do homem como um ser auto-responsável.
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3 Bem como à violação de interesses legalmente protegidos.
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1. Quanto à responsabilidade contratual, o art. 798.º determina: "O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor." Em ordem a fortalecer a posição do credor, e ainda tendo em conta a origem autónomo-privada do vínculo obrigacional, o art. 799.º, nº 1, acrescenta: "Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua." Quer dizer, a lei presume a culpa do devedor, cabendo a este o ónus de provar que não a teve. A intenção da lei é a de não permitir ao devedor uma "saída" fácil e de contribuir para que obrigações assumidas sejam também cumpridas. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (art. 799.º, nº 2).

2. a) No que toca à responsabilidade civil, encontramos a regra fundamental no art. 483.º, n.º 1. Aqui lê-se: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação." A responsabilidade aqui consagrada é uma responsabilidade por factos ilícitos, baseada na culpa e, por isso mesmo, subjectiva.

a) O art. 483.º, n.º 1, estabelece uma sanção: O lesante que culposamente, i.é., de maneira propositada ou negligente, violar de modo ilícito, ou seja, em desrespeito à lei, um direito, mais precisamente um direito absoluto, de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos, quer dizer, todos os danos sofridos. Estes podem ser danos patrimoniais ou morais, i.é., não patrimoniais (art. 496.º).4 Todavia, o lesado, querendo ver os seus danos reparados, não se encontra numa situação muito cómoda. Ao contrário do que sucede ao credor na responsabilidade contratual, é a ele que incumbe provar a culpa do autor da lesão (art. 487.º, n.º 1., 1ª parte). O lesado arca, portanto, com o ónus (pesado) da prova.

A culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487.º, n.º 2), de acordo com os cuidados necessários no tráfico jurídico. Além de provar a culpa do lesante, que há-de individualizar para o efeito, o lesado deve provar ainda que existe, entre o dano que sofreu e o facto danoso, um nexo de causalidade adequada, quer dizer, o facto danoso era, dentro do razoável e humanamente previsível, susceptível de provocar o dano sofrido. A ocorrência do dano nestes termos indicia regularmente a ilicitude do facto.5

4 Nestes casos a indemnização tem o carácter de uma compensação.

5 Todavia, nos casos em que o direito violado é disponível, o titular do direito pode eliminar a ilicitude através do seu consentimento (art. 340.º, n.º 1). Por ex., uma pessoa pode consentir na violação do seu direito de propriedade, mas já não pode consentir na violação do seu direito à integridade física ao permitir que seja mutilada ou torturada.

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b) Obviamente, a atribuição do ónus da prova pode dificultar ou mesmo obstar à obtenção de uma indemnização, em princípio devida, se o lesado não consegue provar os pressupostos enunciados no art. 483.º, n.º 1, designadamente o da culpa. Por isso, em determinadas situações, a própria lei procedeu a uma redistribuição, melhor dizendo, a uma inversão do ónus da prova ao presumir a culpa do lesante, sendo certo que isto não significa o abandono do princípio da culpa.

Temos aqui os casos da responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem (art. 491.º), dos danos causados por edifícios ou outras obras (art. 492.º) e dos danos causados por coisas, animais ou actividades perigosas (art. 493.º). Se nas situações referidas tiver ocorrido um facto danoso, as pessoas respondem pelos danos causados, salvo se provarem que cumpriram os seus deveres e que nenhuma culpa houve da sua parte. Também não respondem se os danos eram inevitáveis de todo, visto a culpa, eventualmente existente, não ter sido decisiva, de modo que não há razão para uma censura.

Em certas constelações danosas típicas, os tribunais, ao apreciar os factos de acordo com a experiência da vida, procedem à uma prova "prima facie" e, presumem, deste modo, a culpa do lesante. Também estas presunções judiciais acabam por facilitar o ónus da prova que incumbe ao lesado.

c) Atendendo ao princípio da culpa, não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer (art. 488.º, n.º 1, 1ª parte). Nestas circunstâncias, uma pessoa não pode agir culposamente e é, por isso mesmo, inimputável. A falta de imputabilidade é presumida nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica (art. 488.º, n.º 2). Esta presunção é ilidível mediante prova em contrário (art. 350, n.º 2). Todavia, a lei não ignora que a incapacidade de querer e entender pode resultar, ela mesma, de um agir culposo do lesante. Se este se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório,6 responde (art. 488.º, n.º 1, parte final).

Do ponto de vista do lesado, que vê preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos menos o da culpa, devido à falta da imputabilidade do autor da lesão, a situação não é confortante. É difícil argumentar que tal situação faz parte do risco geral de vida do lesado, tanto mais que ele, p.ex., pode não possuir grandes bens, mas o lesante sim. _
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6 Como sucede, nomeadamente, nos casos de embriaguez.
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A lei sentiu o problema e dispõe, quanto à indemnização por pessoa não imputável, "se o acto causador dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente" (art. 489.º, n.º 1, 1ª parte). Todavia, esta solução da lei é subsidiária: apenas se aplica desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a vigilância do não imputável (art. 489.º, n.º 1, 2ª parte), de acordo com o previsto no art. 491.º. Mas sempre que estas pessoas não respondem será o não imputável a reparar os danos nos termos definidos pelo artigo 489.º, n.º 1, 1ª parte, e n.º 2).

dd) Por outro lado, também o lesante pode sentir que a aplicação rigorosa do princípio da culpa o atinge de uma maneira não merecida. Na verdade, o lesante pode ter agido apenas com culpa leve, houve da parte dele simples negligência, como tantas vezes acontece na vida, mas o prejuízo causado é muito elevado. Todavia, segundo a regra-base do art. 483.º, em caso de culpa, o dever de indemnizar abrange todos os danos causados ao lesado.

Neste contexto, em situações de culpa leve, o art. 484.º permite uma limitação da indemnização. Diz ele: "Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem." Aqui, a lei atenua os efeitos sancionatórios da responsabilidade por factos ilícitos a favor do lesante e à custa do lesado. Mas este deve aceitar o resultado, uma vez que não pode contar, em todas as situações, com a diligência dos outros.7

b) A responsabilidade por factos ilícitos, baseada no princípio da culpa, não tem resposta para os casos em que surgem danos independentemente de culpa mas em que não é de aceitar como justo que sejam suportados pelo lesado que os sofreu. Para estes casos há um tipo de responsabilidade civil independentemente de culpa, ou seja, a responsabilidade pelo risco, como responsabilidade objectiva. Contudo, de acordo com o art. 483.º, n.º 2, "só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei", o que significa que há, a seu respeito, uma tipicidade ou "numerus clausus".

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7 Cf., neste contexto, o art. 486.º que esclarece que "as simples omissões (apenas) dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto."
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A responsabilidade pelo risco constitui, ao lado da responsabilidade por factos ilícitos, uma modalidade autónoma com fundamentos próprios para a deslocação do dano de quem o sofreu para quem o causou, imputando-o desta maneira ao lesante.8 O seu fundamento reside no raciocínio que os danos resultantes de actividades lícitas, úteis e socialmente aceites por serem indispensáveis, mas com riscos inerentes e nem sempre de evitar, devem ser assumidos, caso o risco se concretize, por quem exercer esta actividade, tirando dela os seus proveitos, mas não por quem ficar prejudicado por elas. Aplica-se ao agente a velha máxima "ubi commoda, ibi incommoda".

O CCiv regula a responsabilidade pelo risco nos arts. 499.º e seguintes, sendo de realçar aqui os arts. 502.º (danos causados por animais que resultem do perigo especial da sua utilização), 503.º (danos provenientes dos riscos próprios de veículos de circulação terrestre) e 509.º (danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás), sendo certo que este último caso se distingue um pouco dos dois primeiros, dado que a responsabilidade não resulta de uma actividade mas é inerente à instalação. Há, além do CCiv, muitas leis especiais que vieram a contemplar novos casos da responsabilidade pelo risco.

c) Além da responsabilidade por factos ilícitos e da responsabilidade pelo risco, o CCiv conhece ainda uma outra modalidade de responsabilidade civil que é a responsabilidade por factos lícitos. Esta última não encontra, porém, no CCiv um regime geral. Os casos, todos excepcionais, estão regulados de maneira dispersa na lei (ver os arts. 339.º, n.º2; 1322.º, n.º 1; 1347.º, n.º 3; 1348.º, n.º 2; 1349.º, n.º 3, e 1367.º). Nestes casos, o titular de um direito é obrigado a tolerar determinadas intervenções mas obtém, em contrapartida, um direito de ser indemnizado pelos danos sofridos. Pode ser referido como paradigmático o caso do estado de necessidade previsto no art. 339.º.

Segundo o art. 339.º, n.º 1, "é lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro." Trata-se de uma situação de emergência. É esta que justifica e torna lícita a acção danosa, destrutiva ou danificadora de uma coisa, da parte do lesante. Todavia, "o autor da destruição ou do dano é obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade."
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8 Inicialmente, quando começou a surgir, a responsabilidade pelo risco foi entendida como uma excepção ao princípio da culpa, mas com o alargamento contínuo desse tipo de responsabilidade a cada vez mais actividades, este entendimento deixou de ser adequado.
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d) Acontece que todas as modalidades de responsabilidade civil que foram mencionadas e que têm o seu regime no CCiv se mostram insuficientes quando a responsabilidade individual não pode ser apurada. De facto, o funcionamento de instalações técnicas sofisticadas, a informatização de muitos processos, o fabrico robotizado em grandes séries, a automatização da produção acompanhada por uma cadeia anónima de actos isolados e especializados, os meios de transporte e de distribuição modernos, etc. impossibilitam praticamente sempre a individualização de um lesante e, além disso, impedem de todo o apuramento de culpas pessoais que possam existir.

Nas condições referidas aparece indicado que os danos causados sejam imputados a quem utilizar estes modos de produção e tirar deles os seus lucros. Para este efeito, foi introduzido pelo DL n.º 383/89, de 6 de Novembro, um regime especial que regula a responsabilidade do produtor como mais uma forma de responsabilidade objectiva que não pressupõe nem culpa nem ilicitude.9 "O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação" lê-se no art. 1.º do DL n.º 383/89. Em princípio, o produto deve ter sido correctamente utilizado.

São apenas economias com padrões de evolução muito avançadas que podem admitir este tipo de responsabilidade objectiva cuja extensão, de resto, não pode ser exagerada sob pena de tornar incalculáveis os riscos de certas actividades económicas. Pode dizer-se, contudo, que quanto mais desenvolvida for uma sociedade, mais abrangente será o seu sistema legal de responsabilidade civil.

3. Em muitas circunstâncias sucede que a causação de um dano resulta de actos praticados por vários autores. Se assim for, todos eles respondem civilmente por actos próprios pelos danos que hajam causado (art. 490.º). De acordo com o disposto no art.497.º, n.º 1, a sua responsabilidade perante o lesado é solidária.10 Como explica o art. 512.º, n.º 1, 1ª parte, "a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera." Por isso, "o credor tem o direito de

9 Um outro tipo de responsabilidade objectiva, a mencionar neste contexto, é a responsabilidade do poluidor do ambiente, embora aqui o lesante ainda possa ser individualizado. O art. 41.º da Lei de Bases do Ambiente, a L n.º 11/87, de 7 de Abril, proclama que "existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável."
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10 O art. 513.º determina que a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
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exigir de qualquer dos devedores toda a prestação" (art. 519.º, n.º 1, 1ª parte).

Este regime de responsabilidade solidária coloca o lesado numa posição muito vantajosa: ele pode, de entre os vários autores do facto danoso, escolher aquele onde lhe é mais fácil obter a indemnização pelo prejuízo sofrido. Obviamente, o lesado pode receber a sua indemnização apenas uma vez. Na verdade, a satisfação do seu direito por um dos lesantes responsáveis (art. 490.º) produz a extinção, em relação ao lesado, das obrigações dos restantes devedores da indemnização (art. 523.º). Estes hão-de acertar, agora, as contas entre si, o que sucede com o recurso ao direito de regresso regulado no art. 524.º. "O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete."

III. Em todos os casos de responsabilidade regulados pelo CCiv, descritos até agora, o lesante, ao qual incumbe ressarcir o lesado dos danos sofridos, responde por actos próprios. Contudo, casos há – e na vida prática são muito frequentes e importantes – em que alguém tem de responder por actos de outrem. Esta responsabilidade por actos de outrem verifica-se tanto na responsabilidade contratual com na extracontratual.

1. Na responsabilidade contratual compete ao devedor o cumprimento da sua obrigação para com o credor. "O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado" (art. 762.º, n.º 1) ao credor certo (art. 769.º), no lugar certo (art. 772.º, n.º 1) e dentro do prazo certo (art. 777.º, n.º 1). Mas com frequência o devedor não pode ou não precisa de cumprir em pessoa. Nestes casos serve-se de um auxiliar no cumprimento e, consequentemente, há-de assumir a responsabilidade pelos actos deste.

Para o efeito, o CCiv prevê no art. 800.º, n.º 1: "O devedor é responsável perante o credor pelos actos ... das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor." Estamos aqui em face de uma responsabilidade muito severa destinada a assegurar que obrigações uma vez assumidas por efeito de uma vinculação autónomo-privada são também cumpridas. Vale, de novo, o princípio "pacta sunt servanda", consagrado no art. 406.º, n.1, 1ª parte.
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2. Mas também na responsabilidade extracontratual, na responsabilidade civil em sentido restrito, encontramos um exemplo, aliás importante, em que alguém responde por actos praticados por outrem. É o caso da responsabilidade do comitente pelos actos do seu comissário, regulado no
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art. 500.º. "Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar" (art. 500.º, n.º 1).

O art. 500.º é um caso da responsabilidade pelo risco no que respeita ao comitente. Este assume, independentemente de culpa sua, o risco de o seu comissário causar danos ao incorrer em responsabilidade civil – ou por factos ilícitos, ou pelo risco, ou por factos lícitos – e ao ficar obrigado de indemnizar, por causa disso, o lesado. Apenas quando a obrigação de indemnizar, por efeito da responsabilidade civil, se tiver concretizado, primeiro, na pessoa do comissário, esta obrigação é assumida, a seguir, pelo comitente em relação ao lesado.

Para o lesado esta solução da lei significa uma melhoria considerável quanto às suas possibilidades de vir a ser indemnizado. Comitente e comissário respondem-lhe solidariamente (art. 497.º, n.º 1) de modo que o lesado pode pedir a indemnização a quem lhe parece mais oportuno. Normalmente, será o comitente que se vê obrigado a indemnizar o lesado, mas pode não ser assim.

O comitente que indemnizar o lesado tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte (art. 500.º, n.º 3, 1ª parte). Quer dizer, o direito de reembolso apenas existe se só o comissário tiver agido com culpa. Esta solução da lei está perfeitamente correcta, uma vez que não corresponderia às suas decisões valorativas se o autor de uma lesão, causada culposamente, ficasse isento da sua responsabilidade unicamente em virtude do facto de ter havido um terceiro que se viu obrigado, por lei, a indemnizar o lesado.

Porém, se houver culpa igualmente do lado do comitente, aplicam-se as regras do art. 497.º, n.º 2, que determina que "o direito de regresso entre vários responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis." Acrescenta-se que do disposto nos arts. 500.º, n.º 3, e 497.º, n.º 2, resulta ainda que não há direito de reembolso ou de regresso contra o comissário quando este tiver incorrido em responsabilidade civil por facto não culposo.11
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11 A mesma conclusão decorre também do art. 503.º, n.º3, 1ª parte, que reza o seguinte: "Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa a sua parte." Se, porém, conduzir o veículo fora do exercício das suas funções de comissário, responde, nos termos do art. 503.º, n.º 1, pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, ou seja, responde pelo risco.
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De qualquer maneira, "a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário no exercício das suas funções" (art. 500.º, n.º 2), mas não por ocasião das mesmas. Significa isto que o comitente pode afastar a sua responsabilidade para com o lesado se provar que o comissário agira fora das suas funções, uma possibilidade que um devedor que no cumprimento da sua obrigação se servir de um auxiliar (art. 800.º) não tem nem pode ter. Trata-se de situações de interesse não comparáveis, visto na responsabilidade contratual existir uma vinculação prévia a acto lesivo, vinculação essa em relação à qual há uma estrita obrigação do cumprimento.

IV. 1. O lesante que for chamado a cumprir a sua obrigação de indemnizar o lesado, responde para o efeito com todos os seus bens susceptíveis de penhora (art. 601.º, 1ª parte), ou seja, com os activos do seu património. Ora, como referimos (ver I. 3.), a responsabilidade civil é susceptível de destruir uma pessoa, na medida em que o seu património pode ficar completamente arruinado sob o peso das indemnizações. Por isso mesmo devem existir caminhos em ordem a limitar a responsabilidade. E, de facto, estas limitações existem, quer por via negocial quer por via legal, mas apresentam uma grande heterogeneidade que dificulta qualquer esforço de sistematização.

2. a) É logo o art. 602.º que nos diz ser possível negociar uma limitação da responsabilidade por convenção na medida em que permite, salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida. E também o n.º 2 do art. 800.º, prevê, face à responsabilidade severa estabelecida no seu n.º 1, que esta pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública. As partes têm, portanto, um espaço negocial bastante amplo para compor os seus interesses nesta matéria.

b) Cláusulas limitativas ou exclusivas da responsabilidade podem ser estabelecidas também por via de declarações negociais unilaterais sempre que a lei não as proíba. De qualquer maneira, a lei encara as cláusulas limitativas com reserva ao determinar, no art. 809.º, que "é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º." Há quem entenda que a norma do art. 809.º deve ser interpretada restritivamente.

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Um outro meio negocial, mas já fora do CCiv, com vista a circunscrever a responsabilidade a apenas uma parte do património consiste na adopção de uma forma jurídica, adequada para efeito desejado. A este respeito, a ordem jurídica oferece aos interessados, p.ex., os modelos do e.i.r.l., do estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada (DL n.º 248/86, de 25 de Agosto), ou da sociedade unipessoal por quotas (DL n.º 257/96, de 31 de Dezembro). Nesses casos, a responsabilidade por dívidas abrange apenas os bens afectos ao estabelecimento ou à sociedade.

3. Contudo, existem também limitações da responsabilidade por força da lei, já previstas no próprio CCiv.

a) Temos neste contexto, em primeiro lugar, a culpa do lesado. "Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída" (art. 570.º, n.º 1). Se a responsabilidade do lesante se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição legal em contrário, até exclui o dever de indemnizar da parte do lesante (art. 570.º, n.º 2). Também no caso previsto no art. 505.º, a responsabilidade do lesante com base no art. 503.º é excluída pela culpa do lesado.

De resto, ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado (art. 571.º), uma disposição, aliás, em sintonia com o disposto no art. 800.º.

Além das duas situações já referidas, há mais casos de exclusão da responsabilidade que encontramos nos arts. 505.º e 509.º, n.º 2, nomeadamente quanto a danos devidos à força maior. Em todos os casos de exclusão da responsabilidade o lesante fica isento da indemnização.

b) Noutras situações, o CCiv, como de resto já vimos várias vezes, recorre a critérios, nem sempre infalíveis, de equidade para limitar o montante da responsabilidade. São de lembrar os arts. 339.º, n.º 2; 489.º, n.º 1; 494.º; 496.º, n.º 3, ou 503.º, n.º 2. A lei procura aqui permitir que venha a ser estabelecido um justo equilíbrio entre os interesses e expectativas em causa.

c) Repetidas vezes, o CCiv recorre à fixação de limites máximos como sucede, p.ex., nos casos previstos nos arts. 504.º, n.ºs 2 e 3; 508.º e 510.º.

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d) Por fim podem ser mencionados os casos em que a lei se serve da figura da separação dos patrimónios, prevista no art. 601.º, 2ª parte. Surgem-nos como exemplos a responsabilidade limitada do menor, nos termos dos arts. 127.º, n.º 1, al. c) e 1649.º, n.º 2, 2ª parte; a responsabilidade do herdeiro limitada aos bens da herança (art. 2071.º); a responsabilidade dos cônjuges pelas dívidas contraídas, limitada ou aos bens comuns ou aos bens próprios de cada um deles (arts. 1695.º e 1696.º) ou a responsabilidade por dívidas da associação sem personalidade jurídica, limitada em princípio ao património que constitui o seu fundo comum (art. 198.º).

4. Porém, todas estas limitações da responsabilidade, nas suas várias configurações e constelações, muitas vezes não satisfazem. Uma protecção eficaz contra as consequências patrimoniais ruinosas que podem decorrer da responsabilidade oferecem normalmente os seguros. Os seguros são quase sempre indicados em casos de responsabilidade civil objectiva, onde a concretização dos riscos danosos pode dar origem a prejuízos muito avultados ou mesmo incalculáveis que ultrapassam as capacidades económicas do lesante, de qualquer lesante. Por isso, é a lei que em muitas situações deste tipo – e com o objectivo de proteger o lesante e também a sociedade – impõe um seguro obrigatório (p.ex., o seguro automóvel ou o seguro de actividades industriais que envolvam alto grau de risco).

Mas também para os riscos gerais de vida (doença, invalidez, desemprego, etc.) e os casos da responsabilidade civil subjectiva ou da responsabilidade contratual, um seguro, mesmo não obrigatório, pode ser vantajoso em atenção às circunstâncias concretas, embora possa não abranger os danos causados com dolo ou culpa grave.

O recurso ao seguro não significa, todavia, a eliminação dos riscos. Os riscos subsistem, uma vez que não podem ser eliminados. Apenas as consequências da sua concretização são deslocados para o seguro. A protecção patrimonial por meio do seguro, por seu lado, leva a uma colectivização dos danos bem como da responsabilidade, que deixa de ser individual. Esta conclusão põe em causa o sistema valorativo em que assenta a responsabilidade. Sendo porém indiscutível a necessidade social do seguro, a colectivização daí resultante deve ser atenuada por meio de um sistema de individualização dos prémios de seguro, que beneficia quem não causar danos e onera quem os produzir. O sentimento da responsabilidade individual deve ser preservado e, na medida em que a obrigação de indemnizar constitui uma sanção, o efeito sancionatório não pode ser iludido por completo.

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Em contrapartida, também deve ser mencionado que a existência do seguro torna possível correr riscos económicos que, doutra maneira, talvez não fossem assumidos. Sob este aspecto o seguro constitui um apoio a actividades dinâmicas e empreendedoras.

V. Resta agora apenas dar resposta breve aos casos exemplificados (ver I. 4.): a) No que respeita ao comprador que não paga por ter perdido no jogo, responde pelos prejuízos causados nos termos do art. 798.º; b) quanto ao pinhal que ardeu devido à queda de um relâmpago, aplica-se ao seu proprietário a regra "casum sentit dominus"; c) no caso do fogo posto ao pinhal, o vizinho que causou o dano, é responsável de acordo com art. 483.º; d) tendo o pinhal sido incendiado por uma criança ou um débil mental, a questão da indemnização resolve-se com o recurso ao art. 489.º; e) no caso da lesão de um transeunte por um veículo automóvel descomandado, o condutor há-de indemnizar o lesado com base no art. 503.º, n.º 1 (a não ser que o risco seja coberto pelo seguro);12 f) a destruição da bengala na defesa contra o cão pode levar à uma indemnização segundo o art. 339.º, n.º 2, mas quanto ao hematoma, não parece que seja o resultado de um acto culposo que obriga a indemnizar o lesado ao abrigo do art. 483.º, uma conclusão que não parece muito satisfatória; g) as lesões causadas pela explosão do telemóvel, por fim, devem ser indemnizadas de acordo com as regras da responsabilidade do produtor.

Claro, muitas situações danosas não se verificariam se as pessoas tivessem uma actuação consciente e se assumissem como auto-responsáveis. Mas isso pressupõe uma cultura de responsabilidade. Esta falta.

Heinrich Ewald Hörster

Professor da Escola de Direito da Universidade do Minho

Correcções:

1º página 7, linha 20: Também estas presunções judiciais (art. 351.º) acabam por facilitar (...)

2º página 11, linha 3, a contar de baixo: (...) encontramos, à parte o art. 491.º já referido, um exemplo, aliás importante, ...

12 Ainda se põe a questão da responsabilidade do Estado por actos danosos da sua gestão pública, uma vez que faltou à sua obrigação de manutenção das vias públicas.

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GENTE DE TIMOR (Obra Original do Paulo S. Martins)

Da ilha verde, da forma de crocodilo.
Da verdura montanhosa e da alma lutadora.
De um sangue humilhado mas não ser humilhada.


Da brisa da frescura e do aroma da verdura,
Do rio pedroso e das rasas espinhosas,
das cores arco-íris e das flores da natureza.


Ó gente de Timor...!
Das praias bonitas e das ondas manhosas,
das águas quentinhas e das bocas sorridentes.


Do coração da pomba e pele da cobra,
dos olhos da águia e pés dos crocodilos.
das mãos do campo dos pés do viagante.


Ó gente,
minha gente
gente de Timor...!
mostrai a boca e lavai os olhos,
treinai as asas e voai mais alto,
treinai os pés e chegai mais longe.


Uma Lisan Diurpu,

Uma Lisan Diurpu,
Uma lisan Diurpu, hanesan uma lisan eh Uma Knua eh Uma Lulik ka ho lian português "Casa Sagrada" timor nian ne'ebé mos sai hanesan Uma Lulik ne'ebé importante iha Knua Ria-ailau, Ainaro-Manutaci. Uma Lulik ne'e besik ba Ramelau hun. Uma ne'e agora nia gerasaun ladun barak, maibé komesa buras fali ona ba oin ho prezensa foin sa'e sira ne'ebé foin moris iha tinan 1990 mai leten. Agora dadaun Sr.António mak hola fatin eh substitui fali Sr. Augusto ne'ebé uluk nudar bali nain ba Uma Lulik ne'e nia fatin para bali uma ne'e. Uma Diurpu lokaliza iha Distritu Ainaro, Subdistritu Ainaro, Suco Manutaci no Aldeia IV. Nia fatin uluk besik malu ho uma Lisan Mantilu ne'ebé uluk iha Mupelotui no Maupelohata. Maibe agora sai ona mai iha buat mos ka fatin foun principalmente iha tempo katuas Augosto nian. Ita hare iha imagem ne'e, iha uma ne'e nia kotuk ida kalohan taka ne'e mak foho Ramelau ka Tatamailau. Hori uluk iha okupasaun Portuguesa no Ocupasaun Indonésia nian iha Timor, Uma Diurpu seidauk hetan Sunu ka amesa hosi Ahi. Tanba tuir história beiala sira nian, uma ida ne'e ahi nunka bela han, ka ahi la han. Tuir lian nain no katuas sira nebe hare ho matan, katak iha tempo kolonial português nian iha Timor, uma Mantilu nebe momentu neba hari besik kedan uma Diurpu (Uma tatis sei ba malu) ne'e ahi han tia iha kalan ida, nebe tuir lolos uma Diurpu ne'e mos ahi tenki han hotu, nia logika nune, tanba uma rua ne'e rabat malu kedan. Maibe katuas sira haktuir dehan, sa mak akontese iha momentu neba mak, manu makikit mean (manu lokmea ) ba tur iha uma Diurpu nia kakuluk ne'e i kuando ahi lakan ne'e baku ba uma Diurpu nia leten, manu makikit ne'e loke liras dala ida, ahi lakan baku fali ba parte seluk. Ho nune'e ahi han uma Mantilu ne'e to romata, maibe uma Diurpu ne'e ahi la han. I manu makikit ne'e tur iha uma ne'e nia kakuluk to ahi lakan hotu ka mate. Iha kolonial indonésia nian, ahi nunka han uma ne'e. Milisia sira tama to'o iha bairro neba i sunu uma Builiuh nebe iha kraik mai maibe la sunu uma Diurpu, milisia sira liu kona dalan ninin deit i neon la kona ka la hanoin at ba Uma ne'e. Além de ne'e, katuas assasinio ka oho dor no katuas seluk nebe ema iha suku laran konsidera katak lia-nain iha suko ne'e fo sasin katak uma Diurpu ne'e iha nia karakter da unika i ema ne'ebé hanoin a'at nunka bele hakat to'o uma ne'e nia sorin, tanba sei la hetan dalan atu tama ba uma ne'e. Iha tempo indonésia nian, iha momento nebé ami hotu sei kik, kuando kalan ka loron mak bapa sira atu tama ba ou falintil sira lao besik iha uma ne'e, ita iha uma laran hatene kedan ona tanba iha manu (ho froma manu fuik hanesan andorinha bot) ida nebe'e hanesan manu makikit kik ne'e semo haleu uma laran ne'e i fó alerta ba ita. Iha ne'e ita nebe toba iha uma laran sei la dukur tanba manu ne'e nia liras sempre baku ita no baku buat kroat nebe ita iha. Uma ne'e uluk iha Maupelohata hansa dehan tia ona. Sai fali mai iha nia fatin foun, hari'i desde 1976 no'o troka lolos iha 1998. Hafoin ta'a fali ai foun no prepara material foun pois hari'i fali iha 1998 to agora 2014. Nia kondisaun diak nafatin hansa ita hare iha retrato ne'e, nia varanda luan liu uluk nian. No Nia sempre nakloke ba ema hotu nebe hakarak ba visita Nia. By Paulo S. Martins (qno.tls@gmail.com)