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SOBRE MIM / ABOUT MY SELF / TENTANG DIRI SAYA / KONA-BA HA'U AN.

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Díli, Díli, Timor-Leste
Olá..., Sou Paulo S. Martins, de Ainaro, sou eis seminarista do Seminário Maior de São Pedro e São Paulo Fatumeta, Díli, Timor-Leste (Eis Frater), licenciado em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga-Portugal e sou mestre em Direito Tributária pela mesma escola. Atualmente sou jurista e assessor legal num instituto público em Díli. Ora, esta página criei em 2010 com intuito partilhar pouco conhecimento que eu tenho ao público em geral e aos que têm sempre sede de ciências e informações. Os conhecimentos e as informações que opto por publicar aqui sempre estão relacionados com direito, cultura, família e poemas. Aqui vai a minha página. Portanto, agradeço imenso pelos comentários e sugestões dados para melhorar esta página. Um grande abraço. Paulo Martins

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Apontamentos de Teoria Geral de Direito Civil.

TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL – TEÓRICA




O que dissemos nas últimas aulas é que, com o princípio da liberdade contratual, concretiza-se o princípio da autonomia privada.





CORRELATIVO DA LIBERDADE



O direito privado considera a pessoa humana um ser responsável, como tal o Código Civil, através do art.130º atribui aos maiores de 18 anos a plena capacidade de exercício dos seus direitos.

A lei estabelece que a pessoa é capaz de se auto-regular aos 18 anos. A partir daqui, a pessoa tem liberdade contratual e correspondente responsabilidade.





O homem possui capacidade para, conforme a sua vontade autónoma, determinar as suas condutas, estabelecer metas, criar ou conformar relações sociais ou jurídicas, escolher e estabelecer o seu modo de vida, aceitar desafios ou assumir responsabilidades. A possibilidade de agir neste sentido significa ter liberdade.

Contudo antes de agir o homem deve considerar os efeitos e os riscos da sua acção.

Porque, o ordenamento jurídico privado está concebido em função da autonomia privada, está concebido em função da pessoa que age livre e responsavelmente.



A ideia da lei é que os Homens agem com responsabilidade.

Isto significa que uma pessoa que estabelece os objectivos e as metas da sua actuação decide agir num certo sentido.



O Homem decide livremente que deve incluir na sua decisão os resultados daquilo que vai fazer.

Isto é agir com responsabilidade – assumir os resultados do que vai fazer, tem que se ponderar as consequências e evitar agir de uma forma arbitrária.



Agir livremente significa, por isso assumir os riscos e as consequências dos actos praticados, ou seja ser responsável





Isto significa, no direito privado, que a responsabilidade e a liberdade são indissociáveis. Ou seja, quando uma pessoa nasce e cresce, ela assume ou não o risco da sua vida; o facto de poder sofrer danos, tanto na sua pessoa como nos seus bens, tanto pela sua própria actuação, por interferência alheia ou por interferência de ninguém (para os quais ninguém contribuiu – como é o caso das vicissitudes da vida, como por exemplo, uma doença).

Efectivamente, o homem há-de assumir também risco independentemente da sua vontade. Porque viver significa arcar com os riscos próprios da vida. Estes riscos são vários mudando com a evolução dos tempos e podem afectar tanto a pessoa como os seus bens.





Casos há em que a concretização do risco e a ocorrência do dano, não se conseguem prevenir ou são até o preciso resultado da conduta negligente da pessoa prejudicada. Nestes casos a verdade é a de que a pessoa prejudicada assume todos os efeitos danosos. Ela arca com os prejuízos sofridos na sua pessoa ou nos seus bens – principio Casum sentit dominus. O prejuízo é suportado por quem sofre os danos.



Contudo a justeza do princípio de que o prejuízo é de suportar por parte de quem o tiver sofrido gera logo duvidas quando olharmos para as circunstâncias concretas em que ele pode ter surgido.

A aplicação incontida deste princípio leva a resultados inaceitáveis.



Ex.1: Supondo que A tem um pinhal.

No verão faz muito calor e o B, sendo um adversário, um inimigo de A incendeia o pinhal.



Ex.2: Dois rapazes pequenos (com 5/6 anos), na brincadeira, vão para um sítio onde está armazenado o feno para alimentar o gado.

No decorrer de uma brincadeira, usam fósforos e incendeiam a casa agrícola.



Ex.3: Numa trovoada seca, cai um raio numa casa agrícola que incendeia.



Admitindo que se aplica o principio “casum sentit dominus” aos três exemplos: não é justo! Pelo nosso senso, nós achamos que não é justo, e a lei também assim o entendeu.



Ex.4: A compra um automóvel. Paga a entrada, as duas primeiras prestações e depois já não tem capacidade para pagar o resto.



Ex.5: César compra um electrodoméstico. Quando o liga começa a arder.



Ex.6: Uma mulher compra um telemóvel e quando faz uma ligação, o telemóvel explode à beira da cara, provocando-lhe ferimentos.



Ex.7: Uma pessoa anda mal agasalhada no Inverno e apanha uma constipação que se transforma em pneumonia, havendo prejuízos.



Se se aplicar a regra “casum sentit dominu” indiscriminadamente, os resultados serão injustos.

Só cabe num exemplo – ex.7. se não andar bem agasalhada, será a própria pessoa a arcar com o prejuízo.



Efectivamente, pretender aplicar em todas as situações, indiscriminadamente, o principio “casum sentit dominus” não parece nem adequado nem justo.



É neste contexto que surge a RESPONSABILIDADE CIVIL. A sua razão de ser e função fundam-se na necessidade de deslocar o dano de quem o sofreu, o lesado, para aquele que o provocou, o lesante.

A responsabilidade civil tem assim a ver com a ocorrência de um dano e o dever de indemnizar este dano, precisamente por parte do lesante, na medida em que o dano vai para além do risco geral da vida que o lesado deve assumir. Nestes termos deve indemnizar aquele a quem o facto causador do dano é imputado por lei.



Assim, temos o LESADO (sofreu o dano) e o LESANTE (provocou o dano). O que a lei faz é deslocar o peso do prejuízo do lesado para o lesante.

Como estamos no âmbito do direito privado, em que temos o princípio da igualdade, a lei estabelece, para todos, que quem causou o dano deverá suportá-lo – ideia base da responsabilidade civil.

Todavia, aquele que causou o dano a outrem já pode ter estado vinculado com o lesado por via do contrato.



Ex.8: Alguém compra e não paga as deslocações.



Ex.9: Alguém vende um bem e este não está em condições, provocando prejuízos.



Temos, nos dois casos, um lesado e um lesante, que já estavam vinculados entre si com base numa relação contratual.

Quando se vinculam deste modo, os indivíduos assumem direitos e obrigações. Num contrato de compra e venda, o vendedor tem obrigação de entregar a coisa e o comprador tem a obrigação de pagar.

No exemplo 8, o comprador não pagou.



Também pode suceder que, entre o lesado e o lesante não haja qualquer vinculação contratual.



Ex.: O ex.1, da relação entre o detentor do pinhal e do seu inimigo – não é uma relação em que há vinculação contratual.



Os danos e a correspondente responsabilidade civil poderão encontrar o seu fundamento num contrato, um negócio jurídico ou fora dele. Daí que se distinga a responsabilidade contratual da responsabilidade extracontratual, ambos compreendidos no conceito de responsabilidade civil em sentido amplo.







DOIS TIPOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL:



Deste modo, a lei distingue dois tipos de responsabilidade civil:



 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL



 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL





A lei é mais severa na responsabilidade contratual, porque as pessoas vinculam-se voluntariamente e há, entre elas uma relação de confiança.

Portanto temos o risco pessoal da vida do “casum sentit dominus”.



O regime do Código Civil faz com que o prejuízo arcado seja deslocado do sofredor para o causador do dano, podendo haver, ou não, uma vinculação contratual predefinida.



Na responsabilidade contratual, art.798º e seguintes, alguém não cumpriu as obrigações que voluntariamente assumiu.

Na responsabilidade contratual a razão última para a responsabilidade resulta sempre de vínculos criados por uma vontade autónomo-privada, sendo de ajuizar, por isso, o resultado danoso em função desta vontade privada.



Na responsabilidade extracontratual, art.483º e seguintes, a razão da responsabilidade é pouca.

Nesta responsabilidade são violados bens de uma maneira ilícita, ou seja, contra a ordem jurídica. São desrespeitadas regras de Direito.

Na responsabilidade extracontratual não se trata de ajuizar vontades autónomas-privadas e os resultados dela decorrentes mas de avaliar condutas ilícitas, ou seja, condutas desconformes com a lei, às quais esta reage normalmente com efeitos sancionatórios.



A responsabilidade contratual atende à violação de direitos relativos, que obrigam apenas as partes entre si, art.406º nº1 1ª parte: “pacta sunt servanda”. A responsabilidade extracontratual respeita à violação de direitos absolutos, cuja observância se impõe a todos.





Portanto, os dois pontos de partida são estes. Por um lado, temos uma violação de um compromisso voluntariamente assumido e, por outro lado, temos uma violação de uma norma legal que proíbe que se viole o direito de outros.



O Código Civil, obviamente, procura os dois tipos de responsabilidade de forma diferente.



A responsabilidade contratual é regulada dentro das regras do incumprimento do contrato. – ARTIGO 798º e seguintes.



A responsabilidade extracontratual é regulada entre as fontes das obrigações e temos aqui uma fonte das obrigações baseadas na lei, na responsabilidade civil. – ARTIGO 483º e seguintes.



Isto significa que até agora temos usado a responsabilidade civil com um significado que abrange tanto a responsabilidade contratual como a responsabilidade extracontratual. Isto está correcto, falamos em responsabilidade civil em sentido amplo.



Todavia o Código Civil, nos seus conceitos, apela ao conceito de responsabilidade civil e fá-lo coincidir com a responsabilidade extracontratual.

Na responsabilidade contratual, quando falamos em responsabilidade civil, temos uma vinculação à autonomia privada e a responsabilidade deve ser encontrada naquilo que as partes voluntariamente estabeleceram.



Na responsabilidade extracontratual, há violação da lei. Temos de encontrar a sanção devida que uma pessoa incorre por ter violado a lei.



A deslocação da responsabilidade de quem sofreu o dano para quem o causou continua a ser feita, mas com regras diferentes.



Na responsabilidade extracontratual, temos uma sanção por um comportamento contrário à lei.





RESPONSABILIDADE CONTRATUAL



No artigo 789º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento, responde pelo prejuízo.

Para que o devedor não fuja à responsabilidade, o artigo 799º do CC estabelece a presunção da culpa do devedor.

O devedor, em principio, não está numa situação fácil porque o devedor será presumivelmente culpado e, se não o for, tem de o provar.

A ideia que faz o devedor responder é a ideia de ter tido culpa. No fundo a ideia da culpa faz deslocar o dano. Se não houver culpa são ambos responsáveis por igual, logo aplicar-se-ia a regra “casum sentit dominus”.



Quanto à responsabilidade contratual o art.798º diz-nos que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Com o intuito de fortalecer a posição do credor, e ainda tendo em conta a origem autónomo-privada do vínculo obrigacional, a art.799º acrescente que o ónus da prova recai sobre o devedor. Ou seja a lei presume a culpa do devedor, cabendo a este o ónus de provar que não a teve. A intenção da lei é de não permitir ao devedor a saída fácil e de contribuir para que obrigações assumidas sejam cumpridas.



RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL



No art.483º do CC, temos outra vez a culpa. O fundamento da deslocação da responsabilidade é a culpa.

Comparado com os artigos 789º e 799º, vemos logo que a responsabilidade contratual é mais severa, porque há aqui uma presunção de que o lesante não tem culpa.





Na responsabilidade extracontratual, isto não acontece. Aqui, o lesado está numa situação pior, pois tem de provar a culpa do outro.



Mas há casos em que a responsabilidade não é atribuída por falta de provas. A lei tem consciência disso e procura encontrar algum equilíbrio no ónus da prova.







A RESPONSABILIDADE CIVIL EM SENTIDO ESTRITO

(incidindo na responsabilidade contratual)



No que toca à responsabilidade extracontratual encontramos a regra fundamental no art.483º nº1. A responsabilidade aqui consagrada é uma RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS, baseada na culpa, e por isso mesmo, subjectiva.

O art.483º estabelece uma sanção: O lesante que culposamente, isto é, de maneira propositada ou negligente, violar de modo ilícito, ou seja, em desrespeito à lei, um direito, mais precisamente um direito absoluto, de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos sofridos.

Ao contrario do sucede com o credor da responsabilidade contratual, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, art.487º nº1 1ª parte. O lesado arca com o ónus da prova.

Além de provar a culpa do lesante, o lesado deve provar, ainda, que existe entre o dano que sofreu e o facto danoso, um nexo de causalidade adequada, quer dizer, o facto danoso era, dentro do razoável e humanamente previsível, susceptível de provocar o dano sofrido. A ocorrência do dano nestes termos indicia a ilicitude do facto.



A atribuição do ónus da prova pode dificultar ou mesmo obstar à obtenção de uma indemnização, em princípio devida, se o lesado não consegue enunciar os pressupostos enunciados no art.483º nº1. Por isso em determinadas situações, a própria lei procedeu a uma inversão do ónus da prova ao presumir a culpa do lesante.





A lei, no artigo 483º (e seguintes) do Código Civil, regula a responsabilidade civil, que é a RESPONSABILIDADE POR ACTOS ILÍCITOS.

A responsabilidade civil, à primeira vista, é uma responsabilidade por actos ilícitos.

A lei pode obrigar o lesante a pagar todos os danos, mesmo tendo culpa leve. Isto em alguma medida é o contrapeso ao princípio “casum sentit dominus”.





O ARTIGO 483º CONSAGRA O PRINCÍPIO GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL (extracontratual):



- Primeiro o lesado tem de provar que sofreu um dano;



- Depois tem de provar que o dano foi causado pelo lesante – nexo de causalidade entre dano e lesado.



- Tem ainda que provar que foi violado um direito, um bem dele.



A ilicitude do lesante fica afastada por consentimento do lesado. Se o lesado permite a violação, então o lesante já não será responsável.



O lesado tem o ónus da prova e todos os factores constitutivos da razão (tem de provar tudo). O ónus é pesado e a lei sabe que não pode atribuir ao lesado, cegamente, o ónus da prova.



A lei vai recorrer ao mecanismo da invasão do ónus da prova. Ou seja, em princípio vai-se presumir a culpa do lesado.



ARTIGO 487º do CC.





CASOS EM QUE A LEI TEM UMA PRESUNÇÃO DE CULPA:



 Artigos 491º, 492º e 493º do CC



-As pessoas que forem obrigadas a vigiar outras, por incapacidade destas: as pessoas vigilantes serão responsáveis pelos danos causados pelos incapacitados a terceiros. A culpa será delas, salvo se provarem que cumpriram a sua tarefa de vigilância.



-Se um proprietário tiver um prédio ou obra e esta ruir por vícios de construção ou defeito de conservação, ele é responsável salvo se provar que não teve culpa.



Ex.1: A vai na rua, há uma tempestade e cai-lhe uma telha na cabeça.



Primeiro presume-se a culpa do lesante (dono da casa). Mas o que se passou foi que a culpa foi da tempestade. Mesmo que o prédio tivesse mais bem conservado poderia ocorrer o mesmo problema, e é deste modo que o lesante se justifica.

A lei vai inverter o ónus da culpa – presume-se a culpa do lesado.



Ex.2: (exemplo 2 incêndio no celeiro)

Os pais só respondem pelos filhos se não cumprirem o seu dever de vigilância.



(Ainda dentro do exemplo 2 mas mudando as circunstancias)

Quem incendiou o celeiro foram dois doentes mentais, ambos com 25 anos.

Visto não saberem o que fazem, os dois doentes não tiveram culpa e, em princípio, aplica-se a regra “casum sentit dominus”

Mas isto é altamente penalizante para o lesado, porque lhe é alheio se o lesante agiu com ou sem culpa. Isto é injusto para o lesado.





 Artigo 488º e 498º do CC – A lei, por um lado, tira a responsabilidade, mas por outro, recoloca-a.



Não se pode dizer que, à partida, os pais são responsáveis pelos filhos.

A lei não pode ser aplicada cegamente.



Ex.1: Supondo que A, é apreciador de vinho tinto e bebidas brancas. Quem ingere álcool pode ter tendência para a violência, perdendo a noção do que faz.

A dá uma tareia a uma pessoa que, sem querer, o empurrou para a rua. A pessoa ficou lesada e A só tem noção do que fez no dia seguinte, e tenta desculpar-se dizendo que estava embriagado. O lesado sofreu danos físicos e pediu uma indemnização.



Neste caso o lesado não é inimputável porque antes de beber, ele já sabe em que estado fica se beber em excesso. Portanto, ele deve ser responsável pelos seus actos.



Ex.2: Supondo que alguém acrescenta algo à bebida de A. Deste modo, o lesante não tem culpa de se ter embriagado e, consequentemente, do que fez.

Ora, visto não ter culpa ele não é responsável. A responsabilidade só vem com a culpa.



ARTIGO 483º do CC (principio geral)

O lesante, tendo agido com culpa, responde por todos os danos. Ele até pode dizer que foi um descuido e que é injusto arcar com os danos.

De facto é humanamente impossível não cometer falhas. Assim uma pessoa pode, por uma negligência leve, causar um dano. Mas a lei é sensível a esta situação.



Logo a lei “criou” o ARTIGO 494º do CC, onde consagra a MERA CULPA OU CULPA LEVE.





A partir dos princípios, a lei faz depois o seu jogo de equilíbrio.





Na responsabilidade civil, temos como ponto de partida a RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS, baseados no princípio da culpa.





A responsabilidade por factos ilícitos, baseada no princípio da culpa, não tem resposta para os casos em que surgem danos independentemente da culpa mas em que não é de aceitar como justo que sejam suportados pelo lesado que os sofreu. Para estes casos surge a RESPONSABILIDADE PELO RISCO, art.483º nº2.

A responsabilidade pelo risco constitui, ao lado da responsabilidade por factos ilícitos, uma modalidade autónoma com fundamentos próprios para a deslocação do dano de quem o sofreu para quem o causou, imputando-o desta maneira ao lesante. O seu fundamento reside no raciocínio que os danos resultantes de actividades lícitas, úteis e socialmente aceites por serem indispensáveis, mas com riscos inerentes e sempre possíveis de evitar, devem ser assumidos, caso o risco se concretize, por quem exercer esta actividade, tirando dela os seus proveitos, mas não por quem ficar prejudicado por elas. Aplica-se ao agente a velha máxima “ubi commoda, ibi incommoda”.

O CCiv regula a responsabilidade pelo risco nos art.499º e seguintes. Há além do CCiv muitas leis especiais que vieram a contemplar novos casos de responsabilidade pelo risco.







Há situações em que surge um dano na pessoa do lesado e o lesado não tem culpa nenhuma. No entanto, seria injusto fazer o lesado arcar com o dano sofrido.

Quais seriam esses casos?

São casos que vêm a revelar o princípio de basear a responsabilidade em factos ilícitos, na culpa.

Há certas actividades socialmente úteis, até socialmente desejáveis e que têm de ser levadas a cabo, mas que pela sua própria natureza implicam riscos.

Há muitas actividades perigosas mas que realizamos diariamente. Como é exemplo andar de automóvel.

Há certas actividades profissionais e industriais que implicam riscos resultantes da exploração e da prossecução dessas actividades.

É claro que quem dirige ou exerce estas actividades tira daí os seus proveitos, lucra com ela e lucra em sociedade.

Só que estas actividades podem causar prejuízo aos próprios e a terceiros.

Ex.: Supondo que A tem uma fábrica que produz explosivos ou munições. A produção de explosivos e munições é necessária para abastecer as forças armadas.



Portanto, esta é uma actividade lícita e socialmente reconhecida como necessária. No entanto, comporta determinados riscos.

Supondo que ocorre uma explosão e que esta provoca danos em habitações e nalguns transeuntes.

Neste caso não há culpa. O que aconteceu foi uma fatalidade, uma vicissitude.

Não se pode consagrar o “casum sentit dominus”, pelo que o legislador criou um segundo tipo de responsabilidade extracontratual – a RESPONSABILIDADE PELO RISCO.

Quando a responsabilidade pelo risco surgiu, foi considerada como uma excepção à responsabilidade pelos factos ilícitos, ao princípio da culpa.

Actualmente, isto não se pode aceitar porque há uma expansão, uma proliferação de actividades portadoras de risco.

Portanto a responsabilidade pelo risco é, ao lado da responsabilidade pelos factos ilícitos, uma fonte autónoma.



Já na técnica legislativa há diferenças:

Artigo 483º do CC – Para a responsabilidade pelos factos ilícitos há uma cláusula geral.

Na responsabilidade pelo risco não temos uma cláusula geral nem podíamos ter. Temos, antes, uma tipificação – só há responsabilidade de indemnizar nos casos previstos na lei – Artigo 499º do CC (casos da responsabilidade pelo risco).

Ex.: Responsabilidade por acidentes causados por veículos. Segundo o Art.503º do CC responde quem tem a direcção efectiva do veículo.



Quem tira proveitos, vantagens, lucros ou prazer de certas actividades ou comportamentos que implicam risco, há-de aceitar as consequências da tomada do risco.

Esta já não é uma ideia totalmente nova, uma vez que os romanos defendiam isto no princípio “ubi commoda, ibi incommuda” – “Quem tira as vantagens, arca com as desvantagens”.



Ex.: A tem um cão. Se este morder alguém, A é responsável por le e pelas suas acções.



A regra “casum sentit dominus” não tem sentido aqui, tem sim sentido, a regra “ubi commoda, ibi incommuda”.



Mas o Código Civil tem ainda um outro caso de responsabilidade. Esta está ligada a outras actividades como a instalação eléctrica, de energia, de gás, …

Existem, actualmente legislações avulsas acerca de casos concretos sobre a actividade fabril e que definem outros tipos de responsabilidade pelo risco.



Portanto, no exercício de actividades:

- Quando o lesado sofre um dano, tem de o suportar;

- Quando está em causa um facto ilícito, o lesado tem de provar a culpa do lesante e estabelecer um nexo de causalidade entre o dano e o lesante.





O CCiv conhece ainda uma outra modalidade de responsabilidade civil que é a responsabilidade por factos lícitos. Os casos, todos excepcionais, estão regulados nos art,339º, nº2; 1322º nº1; 1347º nº3; 1348º nº2; 1349º nº3 e 1367º. Nestes casos o titular de um direito é obrigado a tolerar determinadas intervenções mas obtém, em contrapartida, um direito de ser indemnizado pelos danos sofridos.

A acção lícita, deverá tratar-se de um situação de emergência. É esta que justifica e torna lícita a acção danosa, destrutiva ou danificadora de uma coisa, da parte de lesante.





Todas as modalidades de responsabilidade civil que foram mencionadas e que têm o seu regime no CCiv mostram-se insuficientes quando a responsabilidade individual não pode ser apurada. De facto o funcionamento de instalações técnicas sofisticadas, a informatização de muitos processos, o fabrico robotizado em grandes séries, … impossibilitam praticamente sempre a individualização de um lesante e, além disso, impedem de todo o apuramento de culpas pessoais que possam existir.

Nas condições referidas parece indicado que os danos causados sejam imputados a quem utilizar estes modos de produção e tirar deles os eus lucros. Para este efeito foi introduzido pelo decreto de lei nº 383/89, de 6 de Novembro, um regime especial que regula a responsabilidade do produtor como mais uma forma de responsabilidade objectiva que não pressupõe nem culpa nem ilicitude. “O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.



Com a evolução moderna há muitas situações em que o lesado não pode fazer isto, provar a culpa do lesante. Isto porque é muito difícil determinar quem foi o causador do dano, já que o trabalho dilui-se na cadeia de trabalhadores, na cadeia de máquinas, etc.



Ex.: O exemplo 6, o caso do telemóvel.



Neste caso a senhora foi prejudicada. Ela consegue provar que sofreu o dano (já que estes são visíveis) e que resultou de uma utilização normal do telemóvel que se encontra defeituoso.

Aqui apenas é possível provar que houve o dano e que este decorreu do uso do telemóvel.

Mas não se consegue provar quem foi o responsável.

Assim o que é que a lei faz? (isto já não está no Código Civil mas em legislação avulsa).



Criou-se uma nova responsabilidade pelo risco – a RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR.



Responde o produtor que põe no comércio um produto defeituoso e que, no seu uso, devido ao defeito, provoca danos.

Assim, como a lei consagra esta responsabilidade, a senhora vai ser indemnizada.

A empresa produtora do telemóvel teve prejuízo não só pela parte económica, mas muito mais por causa da imagem da própria empresa e do produto.

Isto significa que quem produz máquinas ou outro tipo de produtos tem que ter cuidado, porque para além de se terem de responsabilizar por estes, ninguém compra produtos dessa origem.

É uma responsabilidade subjectiva.



Outro caso da responsabilidade pelo risco é o caso do poluidor, para prevenir os danos ambientais.



Pode ainda suceder que um dano seja causado não só por um lesante mas pró vários lesantes ao mesmo tempo.

Em muitas circunstâncias sucede que a causação de um dano resulta de actos praticados por vários autores. Se assim for, todos eles respondem civilmente por actos próprios pelos danos que hajam causado, art.490º. de acordo com o disposto no art.497º nº1 a sua responsabilidade perante o lesado é solidária, art.512º.

O lesado pode de entre os vários autores do facto danoso, escolher aquele onde lhe é mais fácil obter a indemnização pelo prejuízo sofrido. Obviamente o lesado pode receber a sua indemnização apenas uma vez. A satisfação do seu direitos por um dos lesantes responsáveis, art.490º, produz a extinção, em relação ao lesado, das obrigações dos restantes devedores da indemnização, art.523º. estes hão-de acertar agora, as contas entre si, o que sucede com o recurso ao direito de regresso regulado no art.524º.





O que acontece num caso destes?

Cada lesante vai responder pela parte do dano causado por ele.

Mas supondo que há um lesado por vários lesantes que actuaram ao mesmo tempo, o lesado vai pedir a cada um 20% da indemnização? Isto não faz sentido.



Quando a lei desloca o dano de quem o sofreu para quem o causou, a lei quer beneficiar o lesado. Por isso depois não pode impor um mecanismo que o prejudique.



ARTIGO 497º do CC – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – Cada um dos lesantes responde perante o lesado, pela totalidade do dano.

O lesado pode, ainda, escolher, entre os lesantes, aquele do qual pensa que será mais fácil receber a indemnização (pode escolher o mais rico, o mais capaz, …)



Entre os lesantes a lei estabelece o DIREITO DE REGRESSO.

O lesante que indemniza pode exercer o direito de regresso para com os outros lesantes.

Se entre os vários lesantes, um indemnizar um lesado, o lesado depois não pode dirigir-se aos outros lesantes pedindo indemnizações. O lesante que paga, liberta os outros perante o lesado, mas não os liberta de lhe pagarem a ele.

ARTIGO 497º nº1 e nº2 do CC.





As pessoas, as causadoras dos danos, os lesantes, respondem por actos próprios. Isto tem a sua plena lógica – o princípio da correlação liberdade/responsabilidade – se têm liberdade para fazer as coisas, deverão responder pelo que fazem.

Se violam as leis ou não cumprem um contrato, respondem pelo que fazem.

Mesmo quando temos responsabilidade solidária, uma pessoa responde, em conjunto por actos próprios.



Pode acontecer o seguinte:

Alguém responde por acto que não cometeu, mas que foram causados por outrem – RESPONSABILIDADE POR ACTOS DE OUTREM.



Ex.: Responsabilidade do vigilante (mas este é um caso marginal)



Os casos mais importantes ocorrem diariamente tanto dentro da responsabilidade contratual como da responsabilidade extracontratual.



Ex.: A compra uma televisão de grandes dimensões e não a consegue transportar. O chefe da loja tem muitos clientes, vende a televisão, o A paga o preço, e o chefe manda um empregado entregar a televisão.



Temos aqui um caso no âmbito da responsabilidade contratual (contrato de compra e venda).



Se algo acontecer à televisão por acto do empregado, a responsabilidade será do chefe da loja – Artigo 800º nº1 do CC.

O devedor (neste caso o dono da loja) assume as responsabilidades do auxiliar de um cumprimento como se fosse dele próprio.

O devedor assume o acto sem qualquer hipótese de se desculpabilizar, como se o acto fosse dele próprio.

Temos aqui o princípio “casum sentit dominus” e vemos, mais uma vez, que a responsabilidade contratual é a mais severa.





29-10-2004 – T



CASO PRÁTICO:

Um par de gémeos, rapazes de dois anos e meio foram dormir a cesta. Os seus pais deixaram em cima da mesa da sala os cigarros e o isqueiro e foram, também dormir.

Acordaram devido ao fumo na casa, porque os dois rapazes começaram a brincar com o isqueiro, incendiaram qualquer coisa e toda a casa ardeu.

A casa era arrendada de modo que o senhorio pediu uma indemnização.

O senhorio tinha celebrado um contrato de arrendamento onde participavam os inquilinos.

Era esta a matéria de facto.



O seguro recusou-se a pagar dizendo que o seguro apenas funcionava em caso de culpa leve.

Como tal o senhorio pediu aos inquilinos uma indemnização de cerca de 50.000 €.

Como terá decidido o tribunal?

O caso passou por todas as instâncias, que decidiram no mesmo sentido.



Resolução do caso:

Ocorreu um dano. Há-se ser suportado por quem?

No fundo pelo senhorio cuja casa ficou danificada. A não ser que haja um facto que faça deslocar o dano de quem o sofreu para quem o causou.

Quem causou o dano foram os gémeos, quem responde são aqueles que têm o dever de vigiar as crianças.

O CC prevê isto. As pessoas que, por lei, forem obrigadas a vigiar outras, são também responsáveis pelos danos causados a terceiros, salvo se prove que cumpriram a sua função.

Então respondem as pessoas que são obrigadas por lei a vigiar as crianças, que são os pais.

Presume-se que são responsáveis, que não cumpriram a sua função. Neste caso houve culpa, eles foram dormir a cesta. O problema é saber que tipo de culpa. Se foi uma culpa grave, uma culpa leve, …

Tem que se determinar o grau de negligência.



O tribunal decidiu em palavras muito severas, que houve culpa grave por parte dos pais que deviam, saber que as crianças, porque vêm diariamente os pais a usar isqueiros, eram capazes de brincar com eles. E assim os pais deviam mantê-lo fora do alcance das crianças.



Além disso há aqui um outro problema. Há aqui responsabilidade civil, baseada no Art.491º do CC. Mas os vigilantes além de não terem vigiado, podem responder com base na responsabilidade contratual, por violação do contrato de arrendamento que foi celebrado

O contrato de arrendamento obriga o inquilino a cuidar do espaço que arrendou. Aqui não foram os próprios inquilinos que o fizeram, mas na medida em que eram responsáveis pelas crianças, havia aqui uma violação indirecta do contrato.

Há aqui uma responsabilidade extracontratual e uma responsabilidade contratual.



(Ex.: Há um dano qualquer nas crianças porque a casa está húmida. As crianças estão também abrangidas pelo contrato, vivem com o inquilino. Como tal o senhorio terá que indemnizar com base no contrato.)



Os inquilinos não vigiaram os filhos devidamente, e violaram o direito do senhorio de ter a sua propriedade conservada.





RESPONSABILIDADE PELO RISCO:

Há actividades que incluem automaticamente o risco de haver dano. Então a lei diz que o dano é suportado pela pessoa que tem e esta actividade.





RESPONSABILIDADE POR FACTOS LÍCITOS:

O CC ainda tem casos em que alguém se comporta de forma perfeitamente licita, faz o que deve e, ainda assim responde pelos danos que causou.



Ex.: O Prof. Sai tarde do gabinete e vai para o carro. Vê uma aluna, a ser agredida por um vigilante da universidade. Ao lado do Prof. Está um colega que partiu uma perna num acidente e se apoia numa bengala.

O Prof. Tira-lhe a bengala e dá um golpe no pescoço do agressor que cai para o chão. A bengala parte-se.

Quem responde pelo prejuízo da bengala?



Aqui temos uma responsabilidade por factos lícitos. Estes casos são raros.



Não é permitido fazer justiça pelas próprias mãos. Há o monopólio do poder do Estado a este respeito. Mas há excepções: legitima defesa, acção directa e estado de necessidade.

O nosso exemplo cabe numa destas três excepções. Aqui temos o Estado de necessidade, na medida em que alguém destrói uma coisa.

O que podemos aqui analisar é a destruição da bengala.

O art.339º do CC regula esta situação. Aqui está em causa uma actuação em favor de um terceiro. Portanto de acordo com o artigo a acção é lícita. A bengala foi destruída com fim de afastar um dano manifestamente superior

Quem paga a bengala, eventualmente é a aluna agredida, porque ela foi a maior beneficiada. Mas isto depende do que o tribunal decidir. Mas uma coisa é certa, não fica com o prejuízo aquele que o sofreu, não seria justo que ele pagasse por uma situação que lhe é completamente alheia.



Ex.: (O estado de necessidade abrange duas situações.) O Prof. Passeia numa rua quando de repente é atacado por um cão. O dono deixou-o fugir e o cão ataca o Professor, que se defende do cão dando-lhe um pontapé.

O dono do cão entretanto aparece, leva o cão ao veterinário e depois apresenta a conta ao Professor.

Que figura temos aqui?

Também aqui estamos perante um estado de necessidade. Mas o estado de necessidade só existe quando é danificada uma coisa e o cão é visto como uma coisa. E portanto aqui é danificada uma coisa, mas há uma diferença. No primeiro caso o perigo vem de uma fonte qualquer e eu sirvo-me de uma coisa para afastar o perigo. No segundo caso o perigo vem da própria coisa. Ou seja o estado de necessidade traduz duas situações, ou utilizo a coisa para afastar o perigo, ou eu danifica a coisa porque o perigo vem dela.

Quando o perigo provém da coisa podemos dizer que quem se defende está num caso de necessidade defensiva. Quando me sirvo da coisa para afastar um perigo alheio podemos falar em necessidade agressiva.

Portanto temos aqui uma responsabilidade por factos lícitos. O agente pode responder apesar de ter agido com plena licitude.





Há casos em que alguém tem que responder por actos de outrem. Esta responsabilidade por actos de outrem verifica-se tanto na responsabilidade contratual como na responsabilidade extracontratual.



Na responsabilidade contratual compete ao devedor o cumprimento da sua obrigação para com o credor. Mas com frequência o devedor não pode ou não precisa de cumprir em pessoa. Nestes casos serve-se de um auxiliar no cumprimento e, consequentemente há-de assumir a responsabilidade pelos actos deste.

Para o efeito o CCiv prevê o art.800º, nº1, segundo o qual o devedor é responsável perante o credor pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor. Estamos aqui em face de uma responsabilidade muito severa destinada a assegurar que obrigações uma vez assumidas por efeito de uma vinculação autónoma-privada são também cumpridas. Vale o principio pacta sunt servanda, art.406º nº1 1ª parte.





Art.800º do CC trata da responsabilidade contratual e é muito severo. A lei tenta evitar que alguém se furte das suas obrigações contratuais, prejudicando terceiros.

Por isso a lei diz que o devedor é responsável perante o credor. Ele assume a obrigação e tem que assumir os seus actos. Quem assume um compromisso tem que o cumprir.





Na responsabilidade extracontratual, temos o caso da responsabilidade do comitente pelos actos do seu comissário, regulado no art.500º.

O art.500º é um caso de responsabilidade pelo risco no que respeita ao comitente. Este assume, independentemente de culpa sua, o risco de o seu comissário causar danos ao incorrer em responsabilidade civil – ou por factos ilícitos, ou por risco, ou por factos lícitos – e ao ficar obrigado a indemnizar por causa disso, o lesado.



Para o lesado esta situação da lei significa uma melhoria considerável, quanto às possibilidades de vir a ser indemnizado. Comitente e comissário respondem-lhe solidariamente, art.497º, nº1, de modo que o lesado pode pedir a indemnização a quem mais lhe parece oportuno.



O comitente que indemnizar o lesado tem o direito de exigir o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte, art.500º nº3 1ª parte. O direito de reembolso apenas existe se só o comissário tiver agido com culpa.

Se houver culpa igualmente do lado do comitente aplicam-se as regras do art.497º nº2.



A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário no exercício das suas funções, mas não por ocasião das mesmas.

O comitente pode afastar a sua responsabilidade para com o lesado se provar que o comissário agira fora das suas funções.







O que sucede é o seguinte, por mais estranho que pareça, uma pessoa também pode responder por actos de outrem no campo da responsabilidade extracontratual.



Ex.: O edifício da escola de economia e gestão está um pouco danificado, tem fendas e rachas. A universidade quer consertar os estragos que aqui existem devido à má construção. A universidade quer agora resolver o assunto e manda concertar o que está mal. Para o efeito a empresa monta andaimes e quando estão todos montados põe as tábuas onde os operários hão-de passar. Por azar um operário deixa cair uma tábua em cima de um aluno que ia a passar. O aluno fica ferido num pé, e necessita de tratamento médico.



Quem responde pelo dano?

Aqui só temos duas hipóteses. Quem sofreu o dano, que foi o aluno, ou o lesante que é o operário.

A responsabilidade em causa é extracontratual porque entre o aluno e o operário não há nenhum contrato. Sendo extracontratual há três hipóteses: responsabilidade por factos lícitos; responsabilidade por factos ilícitos ou responsabilidade pelo risco.

Temos aqui uma responsabilidade por factos ilícitos. Estão preenchidos todos os pressupostos do Art.483º. Há um dano, temos um agir do lesante que provocou o dano, há portanto um nexo de causalidade. Este dano foi provocado pelo operário, portanto este é que terá que indemnizar. Todavia o operário não tem dinheiro para ressarcir o lesado.

A lei também prevê esta realidade/esta situação. Quem vai, então, responder pelos danos causados pelo operário. A lei prevê uma situação em que alguém responde por danos causados por outros.

Quem responde neste caso é a empresa ao cujo serviço o operário trabalhava. A empresa responde pelos actos de outrem, pelos actos do operário. Ou seja, aqui a empresa arca com a responsabilidade de forma inevitável.

A empresa que tem o operário ao seu serviço arca com o risco de o operário poder causar danos. Ou seja, no lado da empresa temos uma responsabilidade pelo risco, o risco de se produzir um dano, ou não.

Há certas actividades que pela sua natureza implicam o risco de poder vir a produzir-se ou não um dano. Uma empresa que tem pessoas ao seu serviço, corre o risco de essas pessoas poderem causar danos a alguém. Estas pessoas estão, no fundo abrangidas pela esfera do risco da actividade da empresa. Quem tem a vantagem de ter pessoas ao seu serviço tem que arcar com o risco de essas pessoas causarem danos – Art.500º casos de responsabilidade pelo risco.



Art.500 nº1 – Em termos de conceitos temos um COMITENTE que responde pelos actos do COMISSÁRIO. O comitente responde independentemente de culpa sua. Do lado do comitente não há o pressuposto da culpa. Ele responde pelo risco de o seu comissário incorrer em responsabilidade civil. Se o comissário incorrer em responsabilidade civil quem assume é o comitente, em vez dele. O comitente encarrega o comissário de um serviço, há uma relação de comissão. O comissário está dependente das instruções do comitente e faz as tarefas de que é encarregue.

Se o comissário causa um dano a terceiros dentro da responsabilidade extracontratual esta responsabilidade é assumida pelo comitente.

Qual é a lógica disto?

A lei se toma a decisão de deslocar o dano de quem o sofreu para quem o causou, tem que o fazer de forma eficiente, de modo a que o lesado fique ressarcido dos danos.



O operário a quem escapou a tábua não terá capacidade económica para indemnizar o lesado. A lei entende que a capacidade económica, existindo é do lado de quem emprega, e faz responder junto do lesado aquele que tem capacidade para pagar.

O lesante, o operário, é o comissário e a empresa é o comitente. O comitente responde pelo risco de o seu comissário causar um dano numa das modalidades da responsabilidade.

Quem se serve de outrem assume os riscos de ele causar um dano a terceiros.



Ex.: A empresa está quase falida. O operário acaba de ganhar o totoloto.



O lesado é obrigado a procurar a indemnização do lado do comitente, a empresa neste caso?

Não. A lei procura beneficiar o lesado. O facto de o comitente assumir a responsabilidade não faz com que o comissário escape ileso, porque ele é responsável. Nestes casos a responsabilidade do comissário e do comitente, para com o lesado é uma responsabilidade solidária – todos os responsáveis podem responder perante o lesado.

O lesado pode ir buscar a indemnização a que mais lhe convém. E neste caso o lesado vai buscar o dinheiro, logo ao lesante porque ele está em muito melhores condições para pagar. O comitente não fica livre, continua responsável. Ele assume a responsabilidade solidariamente com o comissário.

Não é esta a imagem que o direito tem. Por regra o lesado vai buscar a ressarção dos danos ao comitente.



Se o comitente indemnizar o lesado, ele não pode ir buscar o dinheiro ao comissário. Se temos varias pessoas a indemnizar solidariamente a indemnização dada por uma livra a dos outros. Se o comitente indemnizar o lesado, isto não significa que o lesante fique livre da responsabilidade. Só que não é perante o lesado que ele tem que responder, uma vez que este está já ressarcido. O comissário é responsável perante o comitente. Na medida em que o comitente indemnizou o lesado ele pode ir buscar o dinheiro ao comissário, mas isto só em certos casos.

O direito de regresso do comitente e do comissário, apenas existe em caso de culpa do comissário.



Se o comissário não responde, obviamente o comitente está livre.



O comissário incorre em qualquer responsabilidade, causa um dano e o comitente é que responde.

O lesado recorre a quem achar que tem capacidade para indemnizar. A lei põe o lesado na situação de escolha, porque o comitente e o comissário estão numa situação de solidariedade.

O comitente indemniza o lesado e vai buscar o que pagou ao comissário, mas apenas tendo este actuado com culpa, consoante o previsto no Art.500º nº3.

O direito de regresso pressupõe culpa. Se houver culpa, tanto do lado do comissário como do lado do comitente, o comitente não tem direito de regresso.

No caso de não haver culpa do lado do comissário, não há direito de regresso.



Na responsabilidade contratual quando alguém responde por actos de outrem, a lei faz cumprir a todo o custo a frase “ pacta sunt servanda”.

O devedor que se servir de um auxiliar tem que cumprir a todo o custo. Não pode sacudir a responsabilidade. É lógico que assim seja, porque há uma auto-vinculação de parte a parte. É lógico que as pessoas sejam obrigadas a cumprir caso contrario gera-se uma situação de insegurança.

Esta ideia da vinculação previa, assumida voluntariamente, falta na responsabilidade extracontratual, de modo que falta também uma razão de responsabilidade inexorável, quando alguém responde por actos de outrem, ou seja o comitente não responde actos do comissário se este não agiu no exercício das funções de que foi encarregue – Art.500 nº2.



Se o comissário se aproveita da sua função para causar um dano, o comitente não responde.



Ex.: O operário deixa cair um balde de cimento de propósito em cima de uma pessoa. Aproveita a ocasião para atingir aquela pessoa.



É claro que o operário comete aqui um facto ilícito. O comitente não responde porque aqui o comissário não está no exercício das suas funções, causa sim um dano por efeito das suas funções.



O operário deixa cair o balde em termos tais que fique evidente que não é propositado. Não será assim tão fácil provar que o comissário não está no exercício das suas funções. Se isto não for claro deve ser decisiva a posição do lesado e a necessidade de o ressarcir pelo dano sofrido.



Aqui vemos como a responsabilidade extracontratual é menos severa que a responsabilidade contratual, isto porque não há uma vinculação previa entre o lesante e o lesado.



O lesante em principio responde por todos os danos causados. Mas a indemnização pode arruinar o património de uma pessoa que, com pequena culpa causou um dano.

O lesante responde com o seu património, e pode suceder que fique sem bens.



ART.601º

Arruinar o devedor também não pode ser o objectivo da lei. De modo que a lei tem que encontrar um mecanismo, sem o embargo à indemnização do lesado, mas que também olhe para o lado do lesante, procurando preservar as condições de uma sobrevivência condigna.



Quando há culpa leve o lesante pode ver a indemnização diminuída.

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa a indemnização pode ser fixado num montante inferior ao que correspondem os danos provocados. O lesado há-de contar com a mera culpa do outro.

Mas a lei tem mecanismos próprios para limitar a responsabilidade. A lei prevê que haja limitações à responsabilidade contratual, por via contratual. Mas a lei prevê, também, que as limitações possam resultar da própria lei, ou seja, a lei permite que por via negocial a responsabilidade seja reduzida, mas independente disso a lei também permite limitações para que o lesante não seja arruinado.



- Fenómeno da concorrência da culpa: quando o lesante causa um dano culposamente ou pelo risco, ou por factos lícitos mas a situação danosa surge porque também houve culpa do lado do próprio lesado. A culpa do lesado pode ter um peso tão grande que apague mesmo a responsabilidade do lesante.

-Condições de equidade: nos factos lícitos, o tribunal, com equidade, distribui as responsabilidades. Por razão de equidade o tribunal pode limitar ou diminuir responsabilidades.



Mas a lei estabelece limites máximos para a responsabilidade. No caso de haver um acto danoso, a lei fixa uma responsabilidade que não pode ser superior a um certo paflon fixado.



-Uma outra solução da lei é separar os patrimónios, ou seja, quando alguém incorre em responsabilidade civil responde sempre com os seus bens, portanto pode haver limites máximos, mas a lei também pode limitar a responsabilidade apenas a uma parte do património.



Ex.: Um menor incorre em responsabilidade. A lei tem aqui o art.127º nº2. Não respondem todos os bens que o menor possui, mas apenas os bens de que tem livre disposição. A limita a responsabilidade do devedor apenas a uma parte dos seus bens e os outros bens ficam livres de responsabilidade. Esta figura chama-se separação dos patrimónios, ou seja, o património de uma pessoa é separado em função da responsabilidade civil.



A limitação legal pode ser obtida através da figura da separação do património. Apenas a parte separada para efeito responde.

A lei recorre a estes mecanismo em varias situações.





SEGUROS:

Não é possível eliminar por completo as situações das quais podem resultar danos. Por isso o que se faz?

Contraem-se seguros. Os seguros em parte são obrigatórios e porquê?

Para garantir ao lesante que não fique arruinado por indemnizações e para garantir ao lesado que é indemnização.



Ex.: O seguro automóvel.

A conduz o seu carro e chove, o carro entra em derrapagem bate contra um camião cisterna. A talvez tenha alguma culpa, mas a culpa a existir é leve. O camião explode e incendeia uma fábrica que está ao lado. O prejuízo é de milhões.



Temos uma culpa leve, e um prejuízo muito grande. O lesante é obrigado a indemnizar e a indemnização arruína por completo a sua propriedade e não chega para indemnizar os lesados.

O que acontece nestes casos?

A lei impõe um seguro obrigatório. Se se verificar o dano este é suportado pela segurada, pelo património da companhia de seguros, composto pelas contribuições de todos os segurados. Este facto pode diminuir a ideia de responsabilidade, porque a pessoa pode pensar que é o seguro que paga e “pronto”. O que se pode fazer é escalonar os prémios de seguro em termos tais que são beneficiados os que não causam danos. E deste modo a ideia responsabilidade individual ainda se verifica.

Há certas actividades em que a lei obriga a fazer um seguro. São aquelas actividades que implicam um risco.

O seguro não elimina o risco, apenas desloca a responsabilidade individual para a colectividade dos segurados que através dos seus prémios contribuem para o património da companhia de seguros.

O seguro não é apenas uma solução para os casos de responsabilidade civil, existe também para cobrir os riscos de vida que uma pessoa corre independentemente da sua actividade (Ex.: risco de doença).



O perigo do seguro é o facto de poder enfraquecer o sentido da responsabilidade individual. Mas independentemente disso o seguro é necessário, a lei impõe o seguro, porque muitas vezes o lesante não consegue assegurar a indemnização e a lei procura proteger o lesado, no sentido de estes ser ressarcido dos seus danos.

















DIREITO PRIVADO



O Direito Privado em termos de liberdade, de responsabilidade, desempenha dentro da sociedade certas funções. Estas funções são dinamizadoras da sociedade, porque o Direito Privado premeia quem for activo, quem tiver objectivos. O Direito Privado fomenta a actividade, a liberdade, a força individual. Procura empurrar toda a sociedade para a frente.

Ao mesmo tempo o Direito Privado protege que tiver adquirido bens legitimamente. O Direito Privado impede que algum bem seja tirado ao seu titular. Tem funções protectoras. Que resultam da ideia de responsabilidade civil. Com isso o Direito Privado garante uma aquisição de bens dentro do ordenamento jurídico português.



A função dinamizadora resulta da autonomia privada, da liberdade contratual.



O Direito Privado não é um bloco monólito, o Direito Privado é composto pelo Direito Civil e por vários Direitos Privados Especiais, como o Direito do Comércio, Direito do Trabalho, Direito Económico e provavelmente está em formação o Direito do desporto.



Antigamente havia uma coincidência entre o Direito Privado e o Direito Civil. À medida que a sociedade foi avançando, o direito foi-se especializando. O primeiro direito especial a ser criado foi o Direito Comercial. Foi-se formando a partir da Idade Média, com um aumento do comércio era preciso criar regras específicas. O Direito Comercial foi o direito que mais cedo se autonomizou.

Durante muito tempo o Direito Privado caracterizava-se pela dicotomia, tínhamos o Direito Civil por um lado e o Direito Comercial por outro.

Com a era industrial foi surgindo a Direito do Trabalho, o Direito Económico.

Agora como o desporto é aquilo que mais move as sociedades, está a autonomizar-se o Direito do Desporto.



Em todos os direitos privados aplicam-se os grandes princípios de Direito Privado: autonomia privada; princípio da igualdade; principio da protecção dos mais fracos. Só que não se aplicam do mesmo modo, nos mesmos termos.

Ex.: O princípio da protecção dos mais fracos tem um peso muito reduzido no Direito Comercial, mas um peso muito elevado no Direito do Trabalho.

O Direito Civil é, no fundo, a origem do Direito Privado e depois os direitos foram-se diferenciando e dividindo.

Isto faz com que o Direito Civil tenha até hoje, regras aplicáveis a todo o direito.

Mas também outras regras do Direito Privado se aplicam a todo o direito como é o caso das regras quanto à aquisição de propriedade.

De modo que o Direito Civil é uma espécie de Direito Privado comum, na medida em que estabelece princípios e regras validos para todos os Direitos Privados Especiais.

As ideias elementares dos Direitos Privados Especiais aparecem no CCiv.







5-11-2004



O que aqui aprendemos foi concebido para as relações entre os vários particulares.

Mas o Estado também actua no campo/ nas formas do Direito Privado, e como tal, pode incorrer em responsabilidade contratual ou extracontratual /aqui o sistema é sempre por actos de outrem.

A responsabilidade civil do estado não tem nenhuma especificidade.



Qual é o relacionamento entre o Direito Privado e o Direito Constitucional?

Aqui aparecem problemas parcialmente falsos e outros muito difíceis de resolver.



CASOS PRÁTICOS:



Caso 1:

António tem 3 filhos. De acordo com o Direito Sucessório 2/3 da herança são cativos, porque António não pode dispor deles, por causa das regras de sucessão. A lei obriga que 2/3 da herança vão para os herdeiros legítimos.

O António faz um testamento em que encaminha a parte disponível da herança para o filho que ele acha que é o mais capaz. Trata os filhos de um modo desigual.



Caso 2:

Bernardo quer fazer uma viagem de férias e resolve ir à Turquia. Consulta os catálogos e reserva uma viagem com a devida antecedência.

Todavia as viagens daquela agência não se vendem tão bem como o previsto no início e o operador vende as viagens com um desconto de 20%.



Caso 3:

O César tem um piano que quer vender. Há vários interessados, entre eles uma pessoa de Lisboa. O César, homem de província, diz que não lhe vende o piano por ele ser de Lisboa.



Caso 4:

D tem uma loja e tem os seus clientes habituais que conhece e sabe que pagam e como tal dá-lhes facilidades de pagamento. Aos clientes que não conhece exige pagamento a pronto.



Estes negócios têm todos algo em comum:

No primeiro caso o Alberto fez o testamento deixando o restante da herança a um filho. Os outros filhos pensam que foram descriminados, mal tratados.



O mesmo sucede com Bernardo que verifica que não teve o desconto que os outros tiveram. Quando regressa exige à Agência de Viagens o reembolso dos 20%.



O homem de Lisboa a quem o César não vendeu o piano diz que foi descriminado.



Os clientes que têm que pagar a pronto dizem-se também descriminados em relação aos que têm facilidades.



Todos invocam, para o efeito, o Art.18º da CRP, que diz que as disposições relativas aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando entidades públicas e privadas.

A estas disposições pertence o princípio da igualdade previsto no Art.13º da CRP.

O problema é saber se, na verdade, por força do Art.13º é imposto nas relações entre entidades privadas normais o princípio da igualdade e do tratamento igual.

Em todos os exemplos o tratamento desigual é perfeitamente lícito.



Para este efeito temos que ver quais são as funções justificativas dos direitos, liberdades e garantias.

Eles são, historicamente, direitos de defesa do indivíduo contra o Estado. Partem da ideia de haver um espaço privado em que o Estado não deve entrar. Os direitos, liberdades e garantias servem para garantir a existência desse espaço. O que se percebe muito bem na perspectiva da infra-ordenação. Quem está na posição inferior é que se há-de defender contra o poder superior. O que está em causa é criar as regras de defesa, no que diz respeito ao exercício dos poderes públicos do Estado, contra os particulares.

O Direito Constitucional e as Constituições são, originariamente, estatutos organizatórios. Dizem qual a organização dos Estados, os órgãos de soberania e as competências e atribuições que pertencem aos vários órgãos. Além disso regulam as relações estado-cidadão. Nestas relações temos os direitos, liberdades e garantias que constituem direitos de defesa contra os poderes públicos.

Já aí vemos que não é tarefa da Constituição regular as simples relações entre pessoas privadas. Para isso temos o CCiv. Só que o CCiv tem que estar sintonizado com a Constituição que é uma lei hierarquicamente superior.

Todavia a Constituição quando fala da liberdade, da propriedade, da família, aceita estes indivíduos tal como eles estão regulados no Direito Privado, ou seja, a Constituição não quis destruir as regras do Direito Privado. De modo que nas relações entre privados o art.18º da CRP não tem relevância.



É seguro que a constituição através deste artigo vincule as entidades públicas e privadas. Isto porque uma coisa são as relações entre entidades públicas e outra são as relações entre privados.



Podemos dizer que a aplicação directa dos princípios constitucionais/disposições relativas aos direitos, liberdades e garantias, apenas se verifica em casos em que, entre particulares existem relações de desequilíbrio de poder, de tal ordem que são desequilíbrios equivalentes aos existentes nas relações com entidades públicas. De modo que se justifica uma aplicação directa.

Quando estamos numa situação de igualdade entre particulares, isto não se justifica, porque iria destruir a autonomia privada, e isto a Constituição não quis.



Em todos os exemplos basta olharmos para o caso a partir do resultado para vermos que aqui não há aplicabilidade das disposições de forma directa.

Temos situações em que os particulares têm poderes iguais às entidades públicas, de modo que são invocáveis os direitos, liberdades e garantias.



O CCiv resolvia estas situações sempre.

O CCiv prevê situações em que o negócio jurídico é nulo. O CCiv diz que o negócio jurídico é nulo quando o objecto do negócio jurídico ou o fim do negócio jurídico, contrariam a ordem pública ou os bons costumes.



Ordem pública são todas as leis com normas imperativas nas quais se inclui a Constituição. De modo que os direitos, liberdades e garantias acabam por se aplicar de uma maneira indirecta, através da cláusula da ordem pública e dos bons costumes. E assim o Direito Privado resolveu sempre estas situações.



A aplicação normal dos direitos, liberdades e garantias faz-se através da cláusula geral do bom costume, ou dos conceitos indeterminados da ordem pública.



Acontece que muitas vezes o Estado actua, não com os meios de Direito Administrativo, mas recorre, para prosseguir os seus fins, ao Direito Privado, actua como entidade privada, serve-se de meios de gestão privada.



O Estado por vezes serve-se, para determinadas instituições, de gestão privada. Isto não elimina o facto de o cidadão estar a lidar com entidades públicas. Aqui aplicam-se os direitos, liberdades e garantias.

Quando o Estado, nas suas tarefas de Estado não utiliza meios de administração, isso não exclui a aplicação dos direitos, liberdades e garantias. Sempre que o Estado actua, seja através de gestão pública ou de gestão privada, aplicam-se os direitos, liberdades e garantias.

Temos fundações de direito privado cujo capital é público.

Se o estado actua, directa ou indirectamente, aplicam-se os direitos, liberdades e garantias.



O mesmo sucede quando temos entidades privadas autênticas, às quais são confiadas tarefas públicas. Aqui aplicam-se os direitos, liberdades e garantias.

Os direitos, liberdades e garantias também se aplicam quando temos meras entidades que têm um poder comparável ou até superior ao do Estado, sobretudo quando se tratam de poderes monopolistas. Mas mesmo assim, nesses casos não é preciso invocar a Constituição, há leis ordinárias que procuram evitar descriminações.



Bibliografia: Lições do Prof. Vieira Andrade pag.260 e seguintes.





FONTES DO DIREITO CIVIL E DO DIREITO PRIVADO:



Se olharmos para a evolução geral, é de prever que aumente a intervenção das entidades públicas no domínio particular.

Isto depende da perspectiva do legislador.

Isto vê-se sobretudo nos sistemas políticos colectivistas. Se temos um contrato de compra e venda – que é o negócio privado por natureza -, nestas ordens isto passa a ser um contrato de relevância geral. Esta perspectiva colectivista teve, em Portugal alguma aceitação no período do Estado Novo. Marcelo Caetano também aderiu à tese que defende que o contrato de compra e venda não regula relações privadas.



O alcance do Direito Privado e o âmbito da sua aplicação depende do alcance político da sociedade. Quanto mais apta uma sociedade for para a liberdade, mais aberta será para o Direito Privado.





FONTES DO DIREITO PRIVADO PORTUGUÊS:



As fontes do Direito Privado português remontam, sempre, em última análise ao Direito Romano.

O Direito Romano teve, na Europa uma influência muito grande, e moldou o pensamento dos juristas até à actualidade. Porque no fundo não há praticamente nenhuma questão jurídica que os romanos não tivessem enfrentado e não tivessem resolvido. Eles pensaram no Direito Privado, tudo o que havia para pensar.



Portugal foi um dos primeiros países europeus que conseguiram uma legislação completa, e tal foi conseguido através das ordenações, pelo recurso ao Direito Romano e ao Direito Canónico.



As ordenações filipinas duraram muito tempo. Estas ordenações tiveram esta duração tão longa porque, de certo modo correspondiam ao sentir da gente portuguesa, apesar de terem sido feitas por D. Filipe I, que tinha descendência espanhola. D. Filipe I tinha sensibilidade para isso, uma vez que a sua mãe era portuguesa.

Estas ordenações mantiveram-se até 1867, e deixaram de vigorar em definitivo em 1917, porque até lá vigoravam no Brasil.



Em 1867 temos o Código de Seabra.





COMPARAÇÃO ENTRE O CÓDIGO DE SEABRA E O CÓDIGO CIVIL:



O Código de Seabra foi a primeira codificação do Direito Civil Português. Houveram tentativas anteriores mas foram falhadas, e mesmo o Código de Seabra tem uma preparação atribulada.

O Código de Seabra entra em vigor em 1867 e é fruto da época em que ele foi feito, que é a época do liberalismo e individualismo. Para sistematizar o Código de Seabra o autor do projecto, Visconde de Seabra, procurou organizá-lo em termos tais que, já na própria exposição legislativa do código, transparecesse o seu credo filosófico liberal. Em termos de sistematização o Código de Seabra não seguiu os tradicionais modelos romanos (sistema de Gaio ou o sistema das Pandectas).

Os franceses seguiram o sistema de Gaio e os alemães seguiram o sistema das pandectas.

Muitas vezes o aspecto exterior deixa transparecer qual é o conteúdo.

O Código de Seabra, neste aspecto, é o exemplo de uma apresentação exterior que já faz prever o conteúdo do produto.



Tem que haver uma interacção entre o legislador e o destinatário da norma, tem que haver um feedback.



O Código de Seabra tinha que legislar para uma certa realidade social, para um certo tipo de Homem e o Homem modelo Código de Seabra era o indivíduo proprietário. Isto porque, no credo liberal o que se pensava é que, havendo liberdade para todos, todos acabam por ser proprietários. Pensava-se que a todos havia de ser facultado o acesso à propriedade. De modo que o Código de Seabra foi concebido numa visão antropocêntrica, uma visão centrada em função do indivíduo proprietário.



Como é que o Código de Seabra faz isto:

O Código de Seabra está sistematizado em 4 partes e tem como Homem modelo o indivíduo proprietário, que queria produzir, pelo que o modelo era o indivíduo proprietário na sua luta pela aquisição, manutenção e defesa da sua propriedade.



No Parte I trata-se do indivíduo. O Art.1º diz-nos que a capacidade e a personalidade jurídica adquirem-se no momento do nascimento completo e com vida. Ou seja, só o Homem é susceptível de direitos e obrigações, só o Homem pode ser titular nas relações jurídicas.



Depois temos a parte II que nos fala da Aquisição dos Direitos. A parte II é subdividida em 3 livros.



Livro I – Direitos originários e que se adquirem por facto e vontade própria, independentemente da participação de outrem;

Direitos que se adquirem - caso do usucapião.



Livro II – Direitos que se adquirem por facto de vontade própria e de outrem conjuntamente. Temos aqui o direito dos contratos, onde se inclui o casamento.



Livro III – Direitos que se adquirem por mero facto de outrem ou pela lei.



A Parte III fala do direito da propriedade, que era o direito padrão.



Parte IV fala da ofensa dos direitos e sua recuperação.



O Código de Seabra pouco aflorava a função social do direito, não o fazia.



Só se pode fazer a interpretação de uma lei, não a partir dos conhecimentos de hoje, mas sim daqueles que o legislador tinha quando a fez. De acordo com o ambiente social da altura, com os conhecimentos e a evolução geral.

Naquela altura a ideia é de que os problemas gerais se iam resolver através de uma participação livre de todos, na obtenção da propriedade.



Ex.: O Código de Seabra não tinha nenhuma norma respeitante ao negócio usurário porque se pensava que não era necessário, que as coisas se resolviam por si.



O Código de Seabra tem que ser julgado dentro do contexto em que foi feito.



Em virtude da falta desta vertente social, muito rapidamente o Código de Seabra se mostrou inadequado.

Além disso o Código de Seabra legislava, no fundo, para a população burguesa citadina. No caso do campo, sobretudo nas relações familiares a realidade não correspondia àquilo que vivia a burguesia de Lisboa. Houve um certo desfasamento social.

O facto é que o Código de Seabra se mostrou inadequado.

Portugal, em 1867 não era um país industrializado.



A grande falha foi a de desconsiderar a função social do direito, mas isto foi resultado do próprio contexto histórico-social.



O Código de Seabra foi submetido a varias alterações. A mais importante é a alteração ocorrida em 1930.

Nesta época vigorava o estado novo, regime autoritário e ditatorial. Portanto havia uma concepção político-social que nada tinha a ver com a vivência social dos tempos em que foi feito o Código de Seabra.



Um dos combates do Estado Novo foi a luta contra o individualismo. Portanto o Código de Seabra foi reformado em 1930, sofrendo uma profunda reforma. Mas não se alterou a sua estrutura. A estrutura manteve-se apesar de o regime jurídico, na altura, ser antidemocrático e antiliberal.

A estrutura manteve-se, era uma coisa única. Não há nenhum código europeu que tenha esta estrutura. Teve-se o sentido histórico de que aqui havia uma estrutura extraordinária.

Contudo julgou-se que as deficiências eram tantas que o Código de Seabra deveria ser substituído.

Havia ainda quem pensasse que o Código de Seabra podia ser adaptado, podia ser “salvo”.



O que se impôs foi uma tendência de substituição do Código de Seabra pelo Código Civil.



As actividades preparativas do Código Civil começaram em 1943 e culminaram com o Código que estava pronto em 1966 e que entra em vigor em 1967.



O código de 1966 é aquele que nos rege e nos regerá até ser substituído por um novo código.



O Código Civil Novo seguiu agora um dos modelos tradicionais vindos do Direito Privado. Este Código Civil seguiu um modelo tradicional vindo do Direito Romano. Haviam dois modelos, de Gaio-França e das pandectas-Alemanha, sendo que o alemão influênciou-nos fortemente.



Os povos germânicos não tinham um direito uniforme – cada povo, um direito. Na Alemanha o direito romano começou a entrar lentamente por causa de uma certa necessidade de haver um direito uniforme. Havia aqui uma certa diversidade.

Os juristas alemãs adoptaram, sucessivamente, normas romanas e foram buscá-las ao Código de Justiniano, ao livro das Pandectas.



Há, no Código Francês muitas referências ao Direito Germânico.

Os germânicos sistematizaram o Direito romano, através das pandectas. Daí resultou o CCiv Alemão que tem 5 livros. A parte geral, o Direito das Obrigações, o Direito da Família, os Direito Reais e o Direito das Sucessões.

Se compararmos o conteúdo do CCiv Alemão e do CCiv Português em pormenor vemos que não são 100% idênticos.

Há diferenças, sobretudo, no que diz respeito à garantia das obrigações.



Outra fonte de inspiração do CCiv Português foi o código italiano.

Na Itália vivia-se o regime fascista de Mussolini, que tinha afinidades com o Estado Novo, e daqui se tiraram alguns aspectos.



O CCiv de 1966 foi criticado:

Houveram resistências no que diz respeito à sua necessidade, porque se pensava que o Código de Seabra podia ser reformado.

Era também criticado por seguir o Código Alemão. E por incluir uma parte geral, dizia-se que não era necessário.

A parte geral está sistematizada de acordo com o critério da relação jurídica. E aqui é que as criticas foram severas, contundentes e injustificadas.



Parte Geral:



I titulo: Rege a vigência e aplicação das leis. Tem regras gerais que têm a ver ou não com o Direito Civil.

Aplicação, vigência e interpretação das leis não é propriamente matéria civilística. São regras que nos dizem como são resolvidos e por que direito são resolvidos problemas que não dizem só respeito ao direito português mas também ao direito de outros países.

Esta parte podia ter sido tirada do CCiv com vantagem, porque é matéria que nada tem a ver com o Direito Civil.



II titulo: O que fica como matéria civilística é o segundo titulo, que se divide em 4 subtítulos: Das Pessoas; Das Coisas; do Facto Jurídico e do Exercício dos Direitos.

Temos aqui em pé de igualdade os 4 elementos da relação jurídica: sujeito, objecto, facto jurídico e garantia.

Há aqui uma alteração do paradigma da posição do indivíduo. Aqui o indivíduo aparece como um elemento da relação jurídica. As relações jurídicas são relações inter subjectivas, entre sujeitos.

O CCiv realça o relacionamento social entre as pessoas.



Já na própria sistematização do CCiv é visível a alteração do paradigma do individual para o social.

Só que, aparentemente, o CCiv ao arrumar a matéria colocou no mesmo plano as pessoas, o objecto, os factos jurídicos, …

Foi por causa disso que o CCiv foi violentamente criticado. Primeiro afirmou-se que com isso se tinha decalcado a parte geral do CCiv alemão.

Isso não é verdade, o CCiv alemão praticamente não refere a relação jurídica, baseia-se no negócio jurídico.

Em segundo afirmava-se que a pessoa tinha sido relegada para um lugar subalterno, mas isto não é verdade. Isto resulta do próprio CCiv português.



Este titulo I, em princípio, é dispensável.

O primeiro artigo do II titulo é o Art.66º. O CCiv começa com a pessoa, tal como o Código de Seabra com o seu art.1º.

A crítica foi ouvida, tem algumas razões que se podem ponderar, mas ela foi movida por razões politicas, porque o regime do Estado-Novo granjeava grandes simpatias, de modo que para certos sectores, o novo Código Civil era mau por via do regime.





12-10-2004



CASO PRÁTICO:

António é jogador de futebol. No contrato de trabalho que tem com o seu clube é obrigado a não falar mal nem do treinador nem do dirigente do clube. Também se obriga a não dar entrevistas a jornais desportivos ou a estações de televisão, sem consentimento prévio do dirigente.

O clube de António perde um jogo, e o António insulta o treinador, pondo em causa a competência dele na escolha da equipa e a estratégia de jogo.

O clube, em função disso aplica-lhe uma multa prevista no contrato de trabalho que António celebrou e no qual se obrigava a não criticar em publico o clube.

Se este contrato for violado o jogador há-de pagar uma multa.



O jogador invoca o Art.18º nº1 e diz que está aqui em causa o seu direito de expressão, pelo que a multa não pode ser aplicada.



Ele tem razão?

Os direitos, liberdades e garantias vinculam entidades públicas e privadas. Mas não as vinculam de modo igual.

Temos que distinguir a aplicação destas garantias quando está em causa uma entidade pública e uma entidade privada.



Ex.: Um decreto-lei estipulava multas para aqueles que criticassem o Governo. Uma pessoa critica o Governo.

Essa pessoa pode invocar, neste caso, a violação de direitos, liberdades e garantias.



Tratam-se de situações diferentes. Os direitos fundamentais vinculam de modo diferente.

O âmbito privado pode prescindir da invocação de direitos fundamentais, em relação a privados. Sendo certo que nas relações públicas, tal comportamento é inadmissível.



Aqui basta analisar o contrato de acordo com o CCiv, e resta saber se o que foi combinado é compatível com a ordem pública e com os bons costumes, que são estabelecidos de acordo com preceitos constitucionais.

Nas situações entre entidades privadas normais aplica-se o CCiv.



INSTRUMENTOS CENTRAIS QUE O DIREITO PRIVADO TEM:



- Relação Jurídica;

- Direito Subjectivo;

- Negócio Jurídico.





RELAÇÃO JURÍDICA:

Quanto à relação jurídica, ela tem como elementos o sujeito, o objecto, o facto jurídico e a garantia.

O CCiv está organizado de acordo com estes elementos da relação jurídica.

Há uma alteração de perspectiva substancial em comparação com o código de Seabra que estava organizado em torno da pessoa.

O CCiv encara, não o Homem enclausurado, mas o Homem relacionado com os outros. O Homem apenas pode estabelecer relações jurídicas com outros Homens. Isto não significa que não possam haver relacionamentos, mesmo estreitos, entre o Homem e coisas. Eles existem, mas não são relações jurídicas, no sentido de não constituírem uma relação inter subjectiva.

Exemplo destes tipos de relações: coleccionador de selos; coleccionador de livros; o dono em relação aos seus animais; …

Podem haver aqui vínculos que são estabelecidos. Só que não se tratam de relações jurídicas, no sentido em que estamos a falar aqui, que são relações entre pessoas. As relações entre pessoas e coisas são, no fundo relações de propriedade. Nas relações entre pessoas isto não acontece.

As relações jurídicas estabelecem-se entre pessoas. Subjacente a tudo isto é o entendimento que as pessoas têm em relação a eles próprios e em relação aos outros.

Como ponto de partida falamos de um aspecto fundamental, que define o modo como os Homens se devem encarar una aos outros. Devem encarar-se como pessoas, sendo a pessoa um ser livre e auto responsável. E na medida em que a pessoa se assume assim há-de encarar os outros do mesmo modo.

As pessoas devem-se respeito mútuo, como seres livres e auto responsáveis. Temos aqui o direito de cada um de se respeitar como pessoa e o direito de respeitar os outros como pessoas. O entendimento que o Homem tem dele próprio reflecte-se, necessariamente no entendimento que tem dos outros.



A este respeito há um fenómeno histórico muito importante:

Quando os portugueses e os espanhóis no sec.XV e XVI descobriram o mundo extra europeu lidaram com outros povos que venceram. Surgiu o problema de como tratar aquela gente que não tinha fé cristã. De modo que se discutia se tinha ou não alma. E se não tinham alma podiam ser tratados, facilmente como escravos.

Na doutrina espanhola entendia-se que estes povos eram filhos de Deus e como tal tinham que ser tratados como Homens. A legislação espanhola, desta época, ainda hoje servia para proteger o trabalho de menores, mulheres, … Era uma legislação muito benéfica para estes povos. São incompatíveis com estas ideias a escravatura, a prisão perpétua, os trabalhos forçados, os contratos perpétuos. Estas situações são incompatíveis com a relação jurídica fundamental.



O hábito de se falar do Homem como mercadoria está enraizado. Fala-se de venda de jogadores mas o que está em causa é a transferência de um contrato.



Esta RELAÇÃO JURÍDICA FUNDAMENTAL está baseada no respeito mútuo que as pessoas devem ter umas pelas outras.

Ao fim e ao cabo todas as relações jurídicas podem ser reconduzidas à relação jurídica fundamental. Na medida em que, em todas as relações jurídicas deve ser observado o respeito que uma pessoa deve à outra.

Ligado à relação jurídica fundamental há uma outra figura que é o chamado círculo de direitos/esfera jurídica.

Aqui tem-se a ideia de que o Homem deve ser pensado com um círculo de direitos que não lhe podem ser retirados.

Aqui temos os direitos ligados à própria pessoa – os direitos de personalidade que pertencem necessariamente a uma pessoa (saúde, integridade física, moral, são direitos inatos, direitos que uma pessoa tem necessariamente).

Mas também há direitos que uma pessoa tem que ter necessariamente, são os direitos patrimoniais que garantem o mínimo de existência que uma pessoa deve ter. Caso contrario é posta em causa a subsistência física da pessoa.

Os direitos que pertencem ao círculo de direitos, são direitos que não podem ser retirados à pessoa sob pena de ela não sobreviver, nem moralmente, nem fisicamente.

Definir estes direitos em abstracto é difícil.



Ex1.: Uma pessoa acusa um militar de ser a encarnação da cobardia.



Ex2.: Uma pessoa acusa um cientista dizendo que é um plagiário.



Ex3.: Alguém tira a um agricultor a água com a qual ele rega as suas parcelas mínimas de subsistência.



Aqui vimos que foram violados direitos diferentes em cada um dos casos. Cada violação do direito atinge não só o direito mas também a própria pessoa e a razão da sua existência.

No caso 2 desqualifica o Homem na sua existência, por exemplo.



Isto significa que uma pessoa, em casos desses há-de se defender sob pena de perder a razão da sua existência.

Definir isto em modos gerais não é possível.



A mesma atitude tomada para pessoas diferentes vai provocar situações diferentes. Depende do atingido. A mesma violação pode atingir o lesado de modos muito diferentes, dependendo da sua posição.



Isto tem uma consequência prática muito importante. Não é possível fazer justiça com as próprias mãos, é preciso recorrer aos meios judiciais.

E aqui deparamo-nos com uma coisa que é compreensível: o CCiv não estabelece um valor mínimo para um caso, porque é o lesado que sabe como foi atingido, como a lesão lhe dói.

Isso significa que a perda de um cêntimo para uma pessoa pode significar a perda de existência.



Não vamos encontrar o círculo de direitos no CCiv.



Estas figuras da relação jurídica fundamental são figuras básicas mas não são figuras técnico-jurídicas.

Temos que fazer um pequeno progresso e vamos passar para a RELAÇÃO JURÍDICA EM SENTIDO AMPLO.



A relação jurídica em sentido amplo está despida da carga moral/filosófica que ainda inspira a relação jurídica fundamental.

A relação jurídica em sentido amplo é já uma figura vista com base num direito que deixa para trás concepções filosóficas.

A relação jurídica em sentido amplo é toda e qualquer relação da vida social regulada por normas jurídicas.

A relação jurídica em sentido amplo separa as relações jurídicas das relações não jurídicas que não são reguladas pelas normas jurídicas.

A ideia do respeito mútuo está em todas as relações, sejam relações jurídicas ou não.



A relação jurídica em sentido amplo é apenas uma relação regulada pelo direito. As outras relações são ajurídicas, ou seja, não são reguladas por normas jurídicas.

Muitas relações que são muito importantes para as pessoas não são relações jurídicas, como é o caso das relações de amizade.

Havendo uma relação regulada pelo direito isso não significa que ela seja mais valiosa do que as não reguladas pelo direito. O direito não pode regular tudo.

A relação jurídica em sentido amplo é qualquer relação da vida social regulada pelo direito. A relação jurídica em sentido amplo significa agora que a alguém pertence um direito subjectivo e a outra parte há-de respeitar esse direito subjectivo. Portanto temos aqui relações em que alguém pode exigir ao outro o respeito pelo seu direito subjectivo. Pode exigir um certo comportamento positivo ou negativo. O que significa que temos do lado do titular o sujeito activo e do lado do obrigado um sujeito passivo.

As relações jurídicas que vamos estudar são relações jurídicas de Direito Privado.

As relações jurídicas do Direito Privado caracterizam-se pelos sujeitos estarem em pé de igualdade. Mas mesmo assim as relações jurídicas constituem relações de poder. E onde existe um poder há o risco de ele ser abusado.

Neste contexto surge-nos a figura do direito subjectivo, que definido em termos de poder é o poder ou faculdade de exigir de outrem determinado comportamento positivo ou negativo, ou de produzir na esfera de outrem alterações.

Basta olhar para esta definição para ver que ao sujeito passivo assiste um dever.

Quando falamos de pretender temos uma obrigação natural. Continua aqui a existir uma obrigação de natureza jurídica, só é mais enfraquecida porque não pode ser exigido judicialmente. Se alguém cumpre uma obrigação natural satisfaz um direito jurídico de outro.

Quando falamos em exigir temos uma obrigação civil.

Na obrigação natural continua a existir uma obrigação de natureza jurídica, mas mais enfraquecida, porque não pode ser exigida judicialmente.





Temos relação jurídica em sentido amplo só que também com a ideia que a alguém assiste o direito de exigir ou pretender. Ou seja para termos um conceito operacional, temos que utilizar a RELAÇÃO JURÍDICA EM SENTIDO ESTRITO.

A relação jurídica em sentido estrito continua a ser uma relação da vida social regulada pelo direito só que é tipificada.

Temos relação jurídica em sentido estrito quando a um determinado sujeito é atribuído um determinado direito e ao sujeito passivo uma determinada obrigação.

A este respeito o CCiv oferece-nos os chamados TIPOS NEGOCIAIS.

Aqui temos que a relação jurídica em sentido estrito constitui o regime do contrato de locação, do contrato de compra e venda, …

Aqui temos relações jurídicas em sentido estrito que têm uma configuração típica, que as individualizam em relação umas às outras e onde são estabelecidos determinados direitos e obrigações.

A relação jurídica em sentido estrito é uma determinada relação da vida social com uma configuração própria, tipificada.

Estas relações podem ser abstractas ou concretas.



A RELAÇÃO JURÍDICA EM SENTIDO ESTRITO ABSTRACTA é aquela que se encontra em abstracto para um conjunto de casos previstos na lei.

A RELAÇÃO JURÍDICA EM SENTIDO ESTRITO CONCRETA é estabelecida entre duas pessoas de carne e osso (A vende a B uma bicicleta).

O regime do contrato de compra e venda, enquanto tal é uma relação jurídica em sentido estrito abstracta.



Como sucede que a relação jurídica abstracta passa a ser concreta? Qual é o elemento que faz esta transposição?

É o FACTO JURÍDICO. O facto jurídico é que transpõe a relação jurídica abstracta para uma aplicação concreta.

Um facto jurídico é qualquer acontecimento natural ou humano que produz efeitos jurídicos. Mas há muitos acontecimentos naturais ou humanos que produzem efeitos que não são jurídicos.



Os direitos subjectivos pertencem ao sujeito activo e normalmente incidem sobre uma coisa.

Ex.: Direito à propriedade incide sobre uma coisa, o bem que pertence ao titular.



Esta coisa é o objecto do direito subjectivo. As relações jurídicas também têm objecto.

Ex.: proprietário de um cão.

Aqui pode haver uma relação de pertença própria, que é todavia diferente daquela que caracteriza a relação entre os dois sujeitos da relação jurídica.



Os direitos subjectivos normalmente têm um objectivo e a própria relação jurídica tem um objecto.

Uma coisa é o objecto do direito subjectivo: a propriedade incide sobre uma bicicleta, uma casa, …

Coisa diferente é o objecto da própria relação jurídica.



O que uma relação jurídica tem por objecto?

O OBJECTO da relação jurídica pode ser designado por conteúdo da relação jurídica.

O conteúdo da relação jurídica estabelece-se em função do vínculo que é estabelecido entre as pessoas. Isto define-se em função do direito que assiste a um e a obrigação que pertence a outro.

Isto define o conteúdo da relação jurídica, o que se pretende dela.



Quando um direito que resulta de uma relação jurídica não é respeitado, o que sucede?

Há meios de defesa, pode-se recorrer aos tribunais. Chama-se a isto GARANTIA.



VÁRIOS ELEMENTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA:

Estes elementos são também designados estrutura externa da relação jurídica.

É em função desta estrutura que a parte geral do CCiv é esquematizada:



- Sujeito da relação jurídica;

- Objecto da relação jurídica;

- Factos jurídicos;

- Garantia.



O CCiv regula o título II da parte geral do CCiv de acordo com a estrutura externa da relação jurídica.

Em que medida a sistematização do CCiv coincide com esses elementos?





SUJEITO OBJECTO FACTO GARANTIA



SUBTITULO I SUBTITULO II SUBTITULO III SUBTITULO IV

DAS PESSOAS DAS COISAS DOS FACTOS JURIDICOS DO EXERCICO E

TUTELA DOS

DIREITOS







SUJEITO:

O subtítulo I fala em três capítulos das pessoas singulares, das pessoas colectivas e das associações sem personalidade jurídica e das comissões especiais. Isto está subordinado ao subtítulo das pessoas.



Quando a lei fala das pessoas entende pessoas em sentido jurídico. Não pode entender outra coisa, porque nós movimentamo-nos na relação jurídica.



Quem é a pessoa em sentido jurídico?

É quem tiver personalidade jurídica.



O CCiv distingue em relação às pessoas em sentido jurídico, as PESSOAS SINGULARES das PESSOAS COLECTIVAS.



Se olharmos para outras legislações temos designações que são mais claras, fala-se de pessoas naturais.

A designação pessoas naturais talvez fosse mais feliz mas o CCiv não faz isso.



As pessoas singulares são as pessoas naturais, ou seja são os Homens. Os homens têm, em virtude do facto de serem Homens personalidade jurídica, que adquirem no momento do nascimento completo e com vida. Automaticamente, sem que a lei intervenha. Ou seja, os Homens são pessoas em sentido jurídico, pelo simples facto de serem Homens. A lei designa-as como pessoas singulares.



Pessoa colectiva é qualquer que em termos numéricos é mais do que um Homem só.



Há desde logo uma diferença essencial entre pessoas singular e pessoa colectiva.

Os Homens enquanto pessoas jurídicas são-no sem mais nem menos, em virtude de serem Homens.



As pessoas colectivas são pessoas em sentido jurídico apenas quando a lei assim o disser. Na pessoa colectiva a personalidade jurídica é atribuída pela ordem jurídica. As pessoas colectivas são criações do direito. Por isso muitos ordenamentos jurídicos falam quando estão em causa pessoas colectivas de pessoas jurídicas. Elas são criação do direito, não se formam e adquirem logo personalidade jurídica. As pessoas colectivas apenas o são na medida em que o direito o determina.

Há, logo à partida esta diferença.

De modo que podemos dizer que as pessoas singulares são pessoas naturais e as pessoas colectivas são pessoas artificiais, são criadas, são artefactos. As pessoas colectivas são colectividades, são conjuntos.

As pessoas colectivas são uma realidade da vida social, com a qual nos deparamos a par e passo.

Basicamente temos dois tipos de pessoas colectivas:

Distinguimos pessoas colectivas que têm na sua base um conjunto de pessoas, um substrato pessoal, têm uma colectividade de pessoas. Temos um conjunto de pessoas. Ex.: Associações; sociedades; cooperativas.



Ou temos pessoas colectivas que têm na sua base um substrato de índole patrimonial, um conjunto de bens.

Temos aqui um conjunto de pessoas que se reúne e a razão da sua união é a de todas elas prosseguirem um fim comum que as une.

O que sucede é que é a ordem jurídica que atribui a este conjunto personalidade jurídica. Não basta as pessoas reunirem, devem-se reunir em função de um fim que querem realizar em conjunto.

A ordem jurídica reconhece esse conjunto, atribui personalidade jurídica e deixa de existir um conjunto de pessoas, surge uma nova pessoa, uma pessoa colectiva, uma associação. Esta pessoa colectiva é agora uma coisa diferente do conjunto das pessoas que estão na sua base. Uma coisa é a sociedade, a cooperativa, coisa diferente são os sócios que formam a associação, a ordem atribui-lhe personalidade jurídica.



Temos pessoas colectivas que têm substratos de índole pessoal – associações, sociedades, cooperativas, …



Sem a atribuição de personalidade, da ordem jurídica temos simplesmente um conjunto de pessoas.

As pessoas colectivas adquirem personalidade através do reconhecimento.

Temos pessoas colectivas cujo substrato é formado por massas de bens, património. Também este património se destina à prossecução de um fim, normalmente um fim de interesse social. Aqui temos as fundações.

Mas também aqui não basta juntar o dinheiro. É preciso que o dinheiro seja junto para prosseguir um fim, e depois que haja o reconhecimento, a atribuição de personalidade jurídica. E assim o património da pessoa colectiva fica separado do das pessoas que dão o dinheiro.



A ordem jurídica tanto pode atribuir personalidade como retirá-la.

Quando é criada, uma pessoa colectiva pública é-o para atingir um fim, quando ela altera o fim, o reconhecimento é-lhe tirado e com isso acaba a personalidade jurídica.

Nas pessoas colectivas a personalidade está à disposição do legislador.

Nas pessoas singulares isto não é possível. Nas pessoas singulares a personalidade não está à disposição do legislador, nunca.



ASSOCIAÇÕES SEM PERSONALIDADE JURÍDICA E COMISSÕES ESPECIAIS:

Aqui não se trata de pessoas em sentido jurídico. Aqui temos fenómenos que não têm personalidade jurídica.

Estas não são pessoas em sentido jurídico, mas aparecem no CCiv subordinadas ao subtítulo I.

Como se explica isso?

A lei tinha que arrumar esses fenómenos, num sítio qualquer e para os arrumar tinha que o fazer de forma lógica. A lógica é a seguinte, há uma certa proximidade entre as pessoas colectivas e as Associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais.

Qual é esta proximidade?

São os substratos das Associações sem personalidade jurídica. São substratos de índole pessoal e os substratos das comissões especiais são de índole patrimonial (são pequenos patrimónios).

Teoricamente havendo estes substratos seria possível atribuir-lhe através do reconhecimento, personalidade jurídica.

Só que a personalidade jurídica não lhes foi atribuída. De modo que falamos aqui de substratos susceptíveis de obterem personalidade jurídica, mas que ainda não foram personificados porque falta o acto jurídico, o reconhecimento pela ordem jurídica.

De modo que a lei resolveu que como estes podem ser encarados com pessoas colectivas potenciais a lei resolveu juntá-los numa capítulo.



As Associações sem personalidade jurídica podem adquirir direitos?

Não podem. As Associações sem personalidade jurídica ou as comissões especiais não podem adquirir direitos porque não têm personalidade jurídica, não são sujeitos de direito.

De modo que neste caso os direitos são adquiridos pelo conjunto das pessoas que constituem as Associações sem personalidade jurídica.



A lei tem aqui que inserir, no fundo, certas situações anfíbias. Não são pessoas em sentido jurídico, mas teoricamente podiam sê-lo.

De modo que a equiparação sujeito – pessoas não está 100% correcta. Porque no capítulo III não temos sujeitos da relação jurídica. Por razões pragmáticas a lei arrumou-as assim.





OBJECTO:

DAS COISAS:



Podíamos pensar que as coisas pertencem ao objecto da relação jurídica, mas não é assim.

Não podemos dizer que aquilo que a lei fez quanto às pessoas esteja errado. O que a lei fez está certo do ponto de vista da esquematização.

Tudo depende do que definimos como objecto da relação jurídica.



O objecto da relação jurídica é o seu conteúdo, ou seja o conteúdo de direitos e obrigações.

Ex1.: Quando olhamos para o art.420º – fala de um contrato em que é transmitido o direito e a obrigação. Aqui o objecto da relação são o direito e a obrigação.

Ex.2: Art.424º nº1: fala na transmissão da comissão contratual. Aqui o objecto é o contrato.

Ex.3: O objecto é a transferência do direito.



Assim temos que a lei tem preceitos em que temos a transferência da obrigação. Ou seja o objecto da relação jurídica pode ser só o direito ou apenas a obrigação, conforme o que tenha sido acordado.



Art.202º nº1 – diz-se que coisa é tudo aquilo que é objecto da relação jurídica.

Temos aqui o conjunto de direitos ou obrigações, ou só o direito ou obrigação.

No nº2 a lei concretiza. Fala de coisas que não podem ser objecto de direitos privados.



Que coisas é que a lei fala aqui?

São as mesmas coisas que fala no nº1. Fala das coisas sobre as quais pode incidir um direito privado.



São objecto da relação jurídica, as coisas que podem ser objecto de um direito privado.

De maneira que o conceito de objecto da relação jurídica é aqui utilizado num sentido diferente do aprendido. Sendo certo que os dois sentidos são usados e são correctos.



Quando falamos de objecto da relação jurídica entendemos o conjunto de direitos e obrigações ou apenas o direito ou a obrigação. Este é o objecto da relação jurídica, tal como ele se deduz da estrutura da relação jurídica.



O art.202º limita o objecto às coisas sobre as quais pode incidir um direito privado.



Ex.: Art.408º nº1 o objecto da relação jurídica é a transferência do direito real. O direito real é um direito subjectivo que incide sobre uma coisa.

E estas coisas sobre que incide o direito real são aquelas de que fala o Art.202º, as coisas que podem ser objecto do Direito Privado.



A lei quando fala das coisas refere-se, efectivamente, ao objecto da relação jurídica. Na medida em que podem ser objectos sobre que incidem direitos privados.



Daí podemos tirar uma conclusão:

Podemos e devemos distinguir o OBJECTO IMEDIATO DA RELAÇÃO JURÍDICA – que é o conjunto de direito e obrigações ou apenas os direitos ou apenas as obrigações – do OBJECTO MEDIATO DA RELAÇÃO JURÍDICA – o direito subjectivo.



O Art.202º fala-nos no sentido de que este direito, ele próprio incide sobre uma coisa.



O Art.874º, Define o contrato de compra e venda. O objecto imediato é a propriedade que se transmite e ela incide sobre uma coisa. O objecto mediato é o objecto do direito subjectivo.



(Ou seja, quando compro um automóvel eu adquiro a propriedade do automóvel. O proprietário transmite-me a propriedade. Eu nunca adquiro um automóvel, mas sim a propriedade do automóvel.)



Adquire-se a propriedade e transmite-se a propriedade que incide sobre um objecto imediato.



As coisas dentro do comércio são as coisas que podem fazer parte das relações jurídicas privadas.

As coisas que não podem fazer parte da relação jurídica são coisas fora do comércio.

Coisas que não estão dentro do domínio público mas que a natureza faz com que sejam susceptíveis de incidir sobre elas direitos privados.



Utilizamos coisa com um sentido jurídico. Coisa em sentido jurídico é muito diferente de coisa em sentido natural. Quando falamos de coisa entendemos coisa num sentido corpóreo. Só que coisa para o direito tanto são objectos, como coisas incorpóreas.



COISAS INCORPÓREAS: são os produtos intelectuais, criações artísticas, invenções, criações literárias, …

A lei fala da propriedade intelectual, da propriedade industrial, …

Ou seja. Assim como a propriedade incide sobre uma coisa corpórea, incide sobre uma coisa não corpórea.





COISA EM SENTIDO JURÍDICO:



- São coisas em sentido jurídico as prestações. Porque sobre elas incide o direito subjectivo de exigir.



- Podem haver direitos subjectivos que são objectos de um outro direito subjectivo.



Ex.: Eu preciso de dinheiro. Vou ao banco, e ele pede garantia. Eu digo que tenho um andar e eles hipotecam a minha propriedade do andar.



Ou seja temos um direito subjectivo – hipoteca – que incide sobre um outro direito subjectivo – propriedade sobre o andar.



Tudo isto é objecto em sentido jurídico porque pode ser objecto de uma relação jurídica, na medida em que sobre ele pode incidir um direito privado.



Art.202º nº2: aplica-se apenas ao objecto mediato.





19-11-2004



Artigo 202º - Fala de coisa como objecto da relação jurídica, entende coisa como objecto do direito subjectivo, que por seu lado é objecto da relação jurídica. Ou seja, a lei encara a coisa como o objecto mediato da relação jurídica, aquilo sobre que o direito subjectivo incide. O objecto imediato é o direito subjectivo.



Depois o CCiv faz uma classificação destas coisas.





CLASSIFICAÇÃO DAS COISAS:



Artigo 203º- a lei classifica as coisas.



As coisas são imóveis ou móveis; simples ou compostas; fungíveis ou não fungíveis; consumíveis ou não consumíveis; divisíveis ou não divisíveis; coisas acessórias; coisas futuras; …

Temos este elenco e podemos acrescentar-lhe mais uma classificação que resulta, indirectamente, do nº2 do art.205º. São as coisas sujeitas a registo e não sujeitas a registo.



COISAS MOVEIS E COISAS IMÓVEIS:

No fundo temos que distinguir como relevantes as coisas imóveis das coisas móveis.

Esta distinção é fundamental e perpassa todo o direito.



A lei distingue entre coisas móveis e coisas imóveis da seguinte forma:

Diz-nos todos os pormenores acerca do que são coisas imóveis e fá-lo no Artigo 204º.

No art.205º nº1 diz-nos que são coisas móveis todas as coisas que não são imóveis. Pelo que apenas precisamos de saber o que são coisas imóveis.



A distinção é fundamental porque a lei submete as coisas móveis e as coisas imóveis a regimes jurídicos diferentes.

Ex.: Se alguém quer vender um imóvel tem que fazer escritura pública.

Se alguém quer vender um móvel basta um negócio meramente verbal, sem qualquer forma obrigatória.



COISAS SUJEITAS A REGISTO E COISAS NÃO SUJEITAS A REGISTO:

A grande distinção a fazer de seguida é entre coisas sujeitas a registo e não sujeitas a registo. A distinção é fulcral, mas é feita de modo envergonhado no Art.205º.



Porque razão a lei sujeita umas coisas a registo e outras não?

Antigamente os bens relevantes eram imóveis. Todavia com o tempo vieram a surgir outros bens com grande relevância social, que são as coisas móveis, como é o caso dos navios, dos automóveis, dos aviões, das participações sociais em sociedades, …

E estes bens móveis podem ter uma relevância social e económica muito superior aos bens imóveis.

De modo que para sabermos a relevância de um bem não podemos fazer como antigamente, comparando coisas móveis com coisas imóveis. Temos que ter em conta a relevância económica e social dos bens sujeitos a registo e dos bens não sujeitos a registo.



Para os bens imóveis existe um registo predial. Para os bens móveis devia existir um registo e há um código a este respeito, que foi elaborado só que nunca entrou em vigor.

Temos por um lado o registo das coisas imóveis no Código Predial. E o registo das coisas moveis através do registo de automóveis, do registo de acções, do registo de aeronaves, …



Para que serve o registo?

O registo é uma espécie de inventário feito por entidades públicas. Fica aqui registado publicamente o que existe e o que pertence a quem, em que situação.

Dão-nos conhecimento da situação jurídica dos bens que a ele estão sujeitos. Ou seja, o registo faz publicidade.



O primeiro registo a surgir neste contexto foi um registo com funções muito limitadas, foi o registo das hipotecas.

Não eram registados os bens mas as hipotecas.

Mas as pessoas não estavam muito interessadas em que se soubesse que tinham dividas. Quem tem um certo estatuto social não tem muito interesse em dar a conhecer que tem dividas.



Assim, o primeiro registo foi o das hipotecas, para evitas que houvessem fraudes. O registo hipotecário foi exigido a favor dos credores

Os registos públicos começaram por esta via.



Hoje em dia é um dado adquirido que bens com importância social estão sujeitos a registo. A ideia base é dar conhecimento da situação jurídica.

Esta realidade foi-se depois alargando.



O registo dá-nos conhecimentos em termos objectivos. O que se manteve foi a ideia de dar conhecimento dos factos, daquilo que se passa.





BENS IMÓVEIS:

Quais são os bens imóveis?

Os bens imóveis vêm classificados no Art.204º. A lei faz este elenco e depois no próprio artigo, a lei tem dois números que explicam o que se entende por prédio e por parte integrante. A própria lei se encarrega de esclarecer quaisquer dúvidas.

O nº2 repete uma característica que já vimos no nº1. O que é sempre realçado é a ligação, a incorporação no solo. Ou seja, o que caracteriza uma coisa imóvel é o facto de ser parte do solo, de se encontrar nele incorporada. Decisiva é a ligação ao solo, para nós podermos classificar as coisas como imóveis.



Ex.: Os pré-fabricados não são coisas imóveis porque falta aqui a incorporação no solo.

Os pré-fabricados são casas que são edificadas, mas que tal como são edificadas podem ser desmontadas e montadas noutro lugar, por isso são coisas móveis. Falta a incorporação no solo.

O mesmo sucede com os silos de cereais.



Quando para deslocar o edifício temos que o destruir, obviamente temos uma coisa imóvel. Nos pré-fabricados isto não é necessário.

Decisiva é a incorporação no solo. Ou seja, se a ligação só pode ser destruída, destruindo a coisa estamos perante uma coisa imóvel.



Ex.: Enquanto as laranjas estiverem na árvore são coisas imóveis, estão ligadas ao solo.



PARTE INTEGRANTE:

A lei também diz que são coisas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos.

A lei diz que as partes integrantes são imóveis.



A parte integrante é uma coisa móvel, que em virtude da sua ligação material, com carácter de permanência ao solo, é uma coisa imóvel.



Ex. de parte integrante: O elevador é parte integrante, porque é uma coisa móvel e está ligada materialmente, fisicamente, com carácter de permanecia ao prédio, está nele inserido.



Isto tem uma relevância decisiva. Como a parte integrante está materialmente ligada ao prédio, é considerada coisa imóvel, é vista em conjunto com o prédio no qual está integrada. Isto significa o seguinte: as partes integrantes têm o mesmo destino jurídico que a coisa imóvel à qual estão materialmente ligados, na qual estão incorporadas.

Significa que não pode haver direitos que incidem sobre a parte integrante, diferentes dos direitos a que a parte integrante pertence.

A ligação material da parte integrante ao imóvel faz com que se extingam direitos, eventualmente existentes, sobre a parte integrante.

A parte integrante tem, inexoravelmente, o mesmo destino do prédio a que pertence.



Em Portugal a propriedade transmite-se por mero efeito do contrato.

Um caso de transmissão de propriedade é o caso da ligação material da parte integrante ao imóvel, que faz com que a parte integrante, como objecto de direito desapareça, perca a sua autonomia.



Ex.: O dono de uma obra mandou edificar um prédio e encarregou, para o efeito um construtor.

O prédio tinha cinco andares, de modo que era obrigatório colocar um elevador.

Uma empresa metalúrgica forneceu o elevador, com reserva de propriedade. Ou seja, o elevador é vendido, todavia a transmissão da propriedade fica em suspenso enquanto não for feito o pagamento. A transmissão da propriedade está condicionada ao pagamento do preço.

O empreiteiro que executou a obra, quando viu o elevador colocou-o no prédio. Só que o dono da obra ainda não tinha pago o elevador. O vendedor do elevador pôs o dono da obra em tribunal exigindo o pagamento do preço, invocando a reserva de propriedade, que o elevador ainda era dele.

Como terá decidido o tribunal?

O tribunal decidiu que a propriedade do vendedor do elevador se extinguiu em virtude da incorporação do elevador no prédio.

A propriedade do vendedor perdeu-se, por via da simples integração do elevador no prédio. Ou seja, ele não podia reaver o elevador.

O que é um regime muito duro, mas é consequência do regime das partes integrantes.



Decisiva é aqui a ligação material. A parte integrante, inexoravelmente, tem o mesmo destino que a parte principal tem.





COISAS ACESSÓRIAS E PARTES COMPONENTES:



Ao lado da parte integrante a lei ainda conhece situações parecidas. Temos aqui as partes componentes e as coisas acessórias.



As partes componentes são peças de que uma coisa se compõe. Por exemplo, são os tijolos de uma casa.

As partes componentes perdem completamente, qualquer espécie de autonomia. No fundo, diluem-se na coisa que eles contribuem para compor. As partes componentes não são individualizáveis, enquanto que a parte integrante continua individualizada.



Ex.: O elevador pode perder a propriedade de parte integrante, quando é desmontado e retirado do prédio. Uma vez retirado é uma coisa móvel. A parte integrante pode deixar de o ser.

Com as coisas acessórias e as partes componentes, isto não acontece.



As coisas acessórias são definidas pela lei, no art.210º.



Tanto as coisas acessórias como as partes componentes são coisas móveis. Ambas estão ligadas com carácter permanente à coisa imóvel.



Mas porque é que as coisas acessórias não são partes integrantes?

Falta a ligação material. De modo que podemos dizer que enquanto as partes integrantes estão materialmente ligadas a uma coisa imóvel, as coisas acessórias estão economicamente ligadas a uma coisa imóvel.

As coisas acessórias existem, tanto em relação às coisas imóveis, como em relação às coisas móveis. Falta é a ligação material.



Ex.: O macaco do carro é uma coisa acessória, está ao serviço de outra coisa.



Ex.: Nos edifícios altos há, no topo uns carris onde é pendurada uma cabine para limpar as janelas dos edifícios, aqui também temos uma coisa acessória.





O Artigo 210º nº2 diz que as coisas acessórias são objecto de relações jurídicas próprias, ao contrário do que sucede com as partes integrantes.

Isto significa que se o prédio é hipotecado, a hipoteca abrange o prédio e as partes integrantes, mas não abrange as coisas acessórias.



Ex.: Também muitas antenas que são montadas em cima de edifícios devem ser consideradas coisas acessórias, só que pode não ser assim. A antena, conforme o caso, pode já estar incorporada.



Podemos ter dificuldade em distinguir coisa acessória de parte integrante.

Isto é importante para sabermos se podem ser estabelecidas relações jurídicas próprias.



Temos que distinguir coisas imóveis de coisas móveis, ciosas sujeitas a registo e não sujeitas a registo, partes componentes, partes integrantes, coisas acessórias e, ainda coisas futuras.





COISAS FUTURAS:



Artigo 211º do CCiv



Ex.: Tenho um prédio de 6 andares em que funciona um elevador. Prevejo que o elevador há-de ser substituído, mas aquele tem, ainda, alguma utilidade.

Vendo este elevador que está no prédio a um interessado. Qual é o valor do negocio da venda do elevador?

Em princípio, o negócio é nulo, porque a venda do elevador não pode ser realizada, uma vez que faz parte do prédio. Para vender o elevador tenho que vender o prédio todo.

Mas posso vender o elevador como coisa futura, atendendo ao momento em que ele acaba de ser desmontado. Nesse momento o elevador obtém de novo qualidade de bem móvel.

Posso vende-lo como coisa futura, mas o negocio tem que ser claro a este respeito.



Ex.: tenho uma grande vinha no Douro. Na primavera vendo as uvas a uma adega cooperativa. Posso fazê-lo?

Em principio não posso, temos aqui frutos que são naturais, que estão ligados ao solo e como tal são coisas imóveis.

Portanto não os posso vender, nestas circunstancias, mas posso vende-los como coisas futuras, atendendo ao momento da colheita.



O que acontece é que estes negócios com coisas futuras são arriscados.



Ex.: Eu vejo que está a decorrer o aumento de capital da EDP e vão ser colocadas no mercado novas acções.

Eu avalio a situação, penso que vai ser um bom negócio e resolvo vender acções da EDP, para a altura da Páscoa. Penso que até lá elas terão subido 15%, de modo que vou vende-las a um bom preço.

Mas quando faço o contrato de promessa de compra e venda, ainda não tenho as acções. Portanto, vendo um bem que não está, ainda, em meu poder.

O que sucede é o seguinte: devido à má gestão, as acções na Páscoa valem 15% menos.



Quando se vendem ou adquirem coisas futuras, estes negócios trazem riscos muito grandes.





COISAS SUJEITAS A REGISTO E NÃO SUJEITAS A REGISTO:

O facto de um bem, estar sujeito a registo ou não, apenas significa que há publicidade ou não. O que não tem qualquer relevância quanto ao regime jurídico ao qual os bens estão sujeitos.

O registo limita-se a dar conhecimento daquilo que foi feito.

Todavia há circunstâncias em que o facto de um bem, estar sujeito a registo altera o seu regime jurídico.

Isto resulta da lei, disfarçadamente, no Art.205º nº2.

Este artigo diz-nos que o facto de as coisas imóveis estarem sujeitas a registo, não altera o facto de serem coisas imóveis, assim como não altera o seu regime jurídico. Do mesmo modo que o facto de as coisas móveis estarem sujeitas a registo, não altera o facto de serem coisas móveis, assim como não altera o seu regime jurídico.

A única coisa que o registo faz é dar notícia acerca da situação jurídica que existe.

Mas “… em tudo o que não seja especialmente regulado”. Ou seja, há regimes especiais em que o facto de um bem, estar sujeito a registo afecta o seu regime.







As coisas que referimos aqui têm um significado económico. As pessoas têm bens porque têm rendimentos. E querem tirar algum proveito das coisas que possuem. De modo que as coisas produzem ou devem produzir rendimentos.



A este respeito a lei fala dos frutos. Art.212º



……………….

……………



A lei distingue entre FRUTOS NATURAIS e FRUTOS CIVIS.



Os frutos naturais já foram referidos, implicitamente, quando falamos de coisas imóveis.

Mas há frutos naturais que o solo não produz, como é o caso dos ovos de uma galinha.

São frutos naturais, o que a terra produz periodicamente.

Ex.: São as colheitas que se fazem periodicamente.

A actividade extractiva é também considerada pela doutrina um fruto natural.



A lei distingue entre frutos naturais e frutos civis.

Os frutos naturais são os que provêm directamente da coisa.



Os frutos civis são as rendas, ou os interesses que a coisa produz:

- juros dos empréstimos;

- os dividendos das acções.

Também aqui há uma periodicidade. Mas o facto de os dividendos não terem sempre o mesmo montante, não lhes retira o carácter de frutos civis;

- benfeitorias, que a lei define no art.216º.





COISAS COMPOSTAS:

No art.206º a lei fala de coisas compostas.

Temos aqui universalidade de factos.

Temos aqui coisas imóveis que têm um carácter, que é o de pertencerem todos ao mesmo titular e além disso têm um destino unitário.



Ex.: Biblioteca

Cada coisa é uma coisa imóvel, pertence ao mesmo titular e tem o mesmo destinatário.



Ex.2: Rebanho



O facto de estas coisas singulares constituírem coisas compostas, não exclui que cada coisa singular possa ser objecto de relações jurídicas.



Esta é uma universalidade de direitos e esta lei não regula num regime uniforme.



Nós não encontramos na lei nenhum preceito correspondente ao Art.206º, que nos fala na universalidade de direitos.

Há alguma conexão estrutural entre as duas coisas.

A universalidade de direitos são vários direitos subjectivos que pertencem todos ao mesmo titular.



Já falamos no círculo de direitos ou na esfera jurídica de uma pessoa e englobamos aqui todos os direitos pertencentes a uma pessoa. Todavia o círculo de direitos não é universalidade de direitos. Aqui temos situações específicas.



A universalidade de direitos que temos em mente e que o legislador tem em mente é um conjunto de direitos subjectivos que têm uma característica especial, que é o de terem um valor pecuniário.



Temos aí, portanto uma universalidade de direitos que têm um valor pecuniário.



A este respeito falamos do património. O património é a universalidade dos direitos subjectivos de que uma pessoa é titular e que têm um valor pecuniário.



Aqui temos direitos que têm um valor pecuniário, são os direitos efectivamente existentes, e não direitos que hipoteticamente se podem vir a constituir.



Ex.: Uma pessoa altamente qualificada, pode dessas qualidades retirar rendimentos e adquirir direitos.



As qualidades que as pessoas têm para adquirir rendimentos não constituem património delas.

Só aquilo que a pessoa efectivamente tem pode constituir o seu direito.





Património – conjunto, apenas dos direitos subjectivos, com valor patrimonial e que pertencem todos à mesma pessoa. Aquilo que efectivamente existe e não aquilo que está em vias de existir.





É preciso fazer valer as qualidades.

A lei não define o património. Não há nenhuma lei comparável ao art.206º.

Tanto mais que o conceito de património nos aparece em três dimensões. Temos património global, património bruto e património líquido.

A lei, conforme as circunstancias refere-se a uma destas acepções, e nós tendo em conta o contexto temos que concluir o que está em causa/que tipo de património.



Ex.: A morre, já tem uma idade avançada e chegou ao fim dos seus dias.

A mulher de A já havia falecido. A tem três filhos.

Os três filhos são herdeiros de A. Isso significa que eles sucedem-lhe nas suas relações patrimoniais. Eles sucedem no património de A.

A lei tem, aqui, em mente o património global, ou seja, o conjunto do activo e do passivo.

Porque os herdeiros entram nas relações jurídicas patrimoniais do falecido, assumem os seus direitos e as suas obrigações. Neste contexto, a lei quando fala de património, entende, por isso, o património global.



Agora acontece o seguinte: A contraiu uma divida e não a paga. De modo que o credor o põe em tribunal. A é condenado e é condenado a pagar.

Responde pelas dívidas de A, o seu património.

Qual é o património que a lei tem aqui em mente?

A lei tem em mente o património bruto, ou seja a lado activo do património, os bens de que A seja titular.



Património bruto – lado activo, conjunto dos direitos subjectivos com valor patrimonial.



Art.601º



A é condenado a pagar e depois verifica-se que não há com que proceder ao pagamento. O que terá sucedido?

O lado passivo excedeu o lado activo. Ou seja, aqui entra em consideração o património líquido – património bruto ou activo ao qual é descontado o passivo, sendo que o que resta é o activo.

No fundo o que representa a riqueza de uma pessoa é o património líquido. O património líquido tem importância quando está em causa a insolvência de uma pessoa.



Ex.: A morre. Deixa três herdeiros. Os filhos sempre viram que o pai tinha muitas regalias. Com a morte do pai os três filhos pensam que vão ficar ricos.

Mas ao contrário do suposto o passivo da herança é superior ao activo.

Os três filhos vão assumir o lado passivo e o lado activo da herança.

Os credores vão todos querer que os filhos paguem as dividas do pai. Com que património os filhos respondem pelas dividas da herança?



A lei foi sensível a este problema, dada a sua gravidade, e voltamos ao art.601º.



A regra é a seguinte: pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor.

Mas alguns bens hão-de ser reservados para permitir a sobrevivência mínima do devedor.



Pode suceder, com frequência que uma pessoa tenha um património vasto, mas este património é separado em varias parcelas. Falamos aqui da SEPARAÇÃO DOS PATRIMÓNIOS. Uma pessoa pode ser titular de vários patrimónios, é titular de um património separado em varias parcelas.

Esta separação do património é feita em função da limitação da responsabilidade.



A pessoa não responde com o património todo, mas só por partes. A separação do património é feita por objectivos, por dividas a pagar. Não é utilizado todo o património, mas só uma parte adstrita ao pagamento das dívidas.



Eles têm o seu património e adveio-lhes mais um património por via da sucessão. O património que lhes adveio por sucessão fica, todavia, separado daquilo que já tinham, em função do pagamento das dívidas da herança.

Pelas dívidas da herança não respondem todos os bens, apenas os bens do património da herança. Isto em virtude da separação do património.

Como as dividas se localizam na herança, o legislador não achou correcto que respondessem bens que não foram nunca pensados para responder, por aquelas dívidas. De modo que quando aparecem os credores, os herdeiros pagam até os bens da herança se terem esgotado. Tendo os bens esgotado a responsabilidades dos sucessores terminam.

Isto é assim na pura teoria.



Só que os três herdeiros aceitam a herança precipitadamente, foram enganados pela aparência da vida que o pai levava.



O que acontece é que os bens acabaram e os credores ainda existem. Os herdeiros têm, agora o ónus da prova, cabe-lhes provar aos credores que os bens da herança se esgotaram.



Só que isto nem sempre é fácil de provar e têm que pagar as restantes dividas com o seu próprio património.



Para evitar isto, os herdeiros aceitam a herança, mas a benefício de inventário. Eles aceitam a herança mas faz-se uma listagem dos bens existentes.

Há no Código de Jurisdição Voluntária um artigo que prevê como se faz isto.

Neste caso o princípio da separação dos patrimónios não é afectado.

Neste caso inverte-se o ónus da prova. São os credores que têm que provar que existem bens além dos inventariados. Aqui já não são só herdeiros que entram com bens seus, por falta de prova.

Convém aceitar a herança sempre a benefício de inventário, sempre que se receia a existência de muitas dívidas.



Temos portanto um património autónomo dentro do conjunto. Com isto fica limitada a responsabilidade do devedor.



Isto não impede que, apesar de tudo, muitas vezes os herdeiros paguem as dívidas, para não deixar que surjam manchas sobre o nome da família, e não por serem legalmente obrigados.



O património autónomo não é a única forma em que temos separação de património, temos uma forma mais complicada.





Temos situações em que os bens pertencem a um conjunto de pessoas. O titular dos bens é o conjunto das pessoas, ou são as pessoas no seu conjunto.

Aqui falamos de PATRIMÓNIO DE MÃO COMUM OU DE MÃOS REUNIDAS. Não há cotas, tudo pertence em conjunto, a todos. E falamos aqui de um património colectivo.



Ex.: Um dos associados que faz parte do património colectivo tem dividas e os credores querem atacá-lo.

De acordo com o art.601º respondem todos os bens que ele possui.

Os credores tiram ao associado todos os bens que ele tem, menos aqueles que são essenciais para a sua subsistência.

Mas os devedores vêm que ele é associado.



Mas aqui há, também, uma separação de património, ou seja, o património colectivo não responde pelos bens do associado, que ele tenha a título individual. Como, em principio os patrimónios individuais não respondem pelas dívidas das associações.



Temos aqui um património colectivo, e este património não pode ser chamado a responder pelas dívidas que os associados possam ter, nem vice-versa.



Esta separação do património é muito importante.

A importância da separação do património em termos colectivos verifica-se no direito das sociedades.



Quando temos uma sociedade, que é uma pessoa colectiva, o que sucede?

Pelas dívidas da sociedade apenas responde a património da sociedade e não o património dos sócios e vice-versa.

Esta separação de patrimónios perpassa todo o direito.



Algumas vezes a lei desconsidera a autonomia patrimonial das pessoas colectivas. Porque há a ideia da limitação da responsabilidade.

Algumas vezes são criadas sociedades com intenções fraudulentas, para evitar a limitação da responsabilidade. Nestes casos a lei desconsidera a separação do património e vai directamente ao património da pessoa individual.



Tem que se ter sempre em mente que a ideia de separação de patrimónios é uma ideia de limitação. Mas da qual não pode resultar que as pessoas se sirvam disto para limitar a sua responsabilidade com intenções fraudulentas.

O problema é que o princípio que a lei pensa como sendo bom, pode ser pervertido, pode ser abusado.



Existe uma outra universalidade de direitos que, todavia, não são de direitos porque incluem factores que não são direitos.

Esta universalidade é a EMPRESA. O que é uma empresa?

A empresa não se limita a ser uma universalidade de direitos com valor patrimonial. Às empresas pertence o pessoal, a gestão qualificada, a clientela,...

Ou seja, a empresa é um conjunto de direitos, bens, situações de facto, que se encontram organizadas em função de determinado objectivo económico. Com o objectivo de ter algum proveito, alguns lucros, de acordo com alguns critérios economicistas.



Não há nenhum conceito uniformemente aceite do que seja uma empresa.

A doutrina portuguesa tende a considerar a empresa como uma universalidade sui generes.

Não cabe no artigo mas também não cabe no património.





A quem pertence uma empresa?

A empresa há-de ter algum titular. E pode pertencer a uma pessoa singular ou a uma pessoa colectiva.



Se a empresa pertence a pessoas singulares e tem dívidas, quem responde é todo o património do particular. Não funciona aqui o primado da separação de patrimónios.



Se a empresa pertence a uma sociedade, responde todo a património da sociedade.

Nas empresas colectivas responde o património dos sócios solidariamente, ilimitadamente. Este tipo de empresa está em extinção.





26-11-2004



FACTOS JURÍDICOS:



Os factos jurídicos podem ser voluntários ou involuntários.



Os factos jurídicos voluntários produzem-se independentemente da vontade das pessoas. Ex.: nascimento; morte.



Ex.: Quando temos uma tempestade violenta, que derruba uma árvore, que cai em cima de um carro, temos um facto jurídico involuntário.



Os factos jurídicos mais relevantes são os factos jurídicos voluntários.



Facto jurídico – todo e qualquer acontecimento natural ou humano que produz efeitos jurídicos. Uma coisa é o facto, outra é o efeito daí decorrente/a consequência.



Nos factos jurídicos involuntários o efeito é estabelecido na lei, a vontade não tem qualquer influência.



O facto jurídico voluntário é um facto jurídico. Um facto jurídico é voluntário, só nas circunstâncias de o próprio facto ser provocado pela vontade. Para qualificarmos um facto jurídico como sendo voluntário não olhamos para os efeitos, olhamos unicamente para o facto.



Ex.: Um aluno insatisfeito agride um professor. O aluno actua de acordo com a sua vontade, faz isso voluntariamente. Produz um facto voluntário que é um facto ilícito (preenche os requisitos do art.483º). temos um facto jurídico voluntário, mas ilícito. Só que todos os factos jurídicos são-no porque produzem efeitos jurídicos.



Como sabemos quais são os efeitos de um facto jurídico voluntário ilícito?

Sabemo-lo olhando para a lei, art.483º. ou seja o efeito ressalta da lei.

Nos factos jurídicos voluntários ilícitos, o facto é produto da vontade, o efeito é consequência da lei.



Temos factos voluntários cujos efeitos contrariam a vontade. Mas o que interessa para classificarmos os factos voluntários é o facto, enquanto tal. A consequência não tem interesse.



No facto voluntário a vontade interessa para a produção do facto. O efeito pode não resultar da vontade. Só que a maior parte dos factos voluntários são, obviamente lícitos.



Dentro dos factos voluntários temos factos lícitos por um lado, e factos ilícitos por outro.



Entre os factos voluntários lícitos distinguimos duas modalidades. Por um lado temos o negocio jurídico e por outro os actos jurídicos.



Todos os factos voluntários sejam lícitos ou ilícitos têm em comum a característica de terem sido provocados pela vontade.



Nos factos voluntários ilícitos os efeitos do facto são involuntários, resultam da lei sob a forma de sanções.



Quando temos factos voluntários lícitos, e que correspondem a actos jurídicos, o facto resulta da vontade, como não podia deixar de ser, e o efeito resulta novamente da lei, mas já não consiste numa sanção. A lei estabelece aqui um efeito que em princípio está em concordância com a vontade.



No ACTO JURÍDICO o acto é voluntário, o resultado decorre da lei, mas já não contraria a vontade como acontece nos factos jurídicos voluntários ilícitos.



Ex.: Uma criança de cinco anos, ao andar com a mãe no passeio, e olhando para o chão, descobre uma moeda de 2€. A criança apanha os 2€.

A quem pertencem os 2€?

Aqui a criança tem uma vontade altamente limitada. Tem apenas a vontade natural de querer ficar com a moeda que achou.



Aqui temos o acto jurídico que é um acto natural.

Mas há actos jurídicos que já exigem de quem os pratica, um mínimo de discernimento.



Ex.: Um aluno que quer estudar direito em Braga, morando em Esposende resolve estabelecer o seu domicilio em Braga.

Aqui temos uma vontade, todavia, os efeitos de estabelecimento do domicílio resultam da lei. Mas para alguém estabelecer o seu domicílio há-de ter uma vontade estruturada.



Quanto ao acto jurídico, a lei, conforme o acto faz maiores ou menores exigências. Em relação a certos actos jurídicos a lei faz exigências quanto à vontade.

De modo que se distingue entre os actos jurídicos os actos negociais e os actos quase negociais.



Quanto aos ACTOS QUASE NEGOCIAIS a lei faz exigências quanto à vontade. A lei exige que a pessoas tenham capacidade de exercício.

Mas, seja como, for nos actos jurídicos voluntários lícitos o efeito resulta sempre da lei.



Por vezes a lei estabelece exigências quanto à vontade.

Também quanto ao facto ilícito a lei estabelece exigências mínimas quanto à vontade para cometer o facto.



Ex.: Em relação a uma criança com menos de 7, ou uma pessoa com incapacidade psicológica, a lei parte do principio que são inimputáveis. Não têm capacidade volitiva para praticar um acto ao qual a lei atribui efeito.



Um facto jurídico voluntário pressupõe sempre que a pessoa esteja em condições de formar a sua vontade. Sendo certo que as exigências quanto à vontade, variam consoante o facto.



Nos factos jurídicos voluntários ilícitos, o facto resulta da vontade; os efeitos resultam da lei e contrariam a vontade.

Nos factos jurídicos voluntários lícitos os factos resultam da vontade; os efeitos resultam da lei mas não contrariam a vontade.





NEGÓCIOS JURÍDICOS:



Os negócios jurídicos voluntários são, tal como os actos jurídicos um facto jurídico voluntário lícito.



Como se distingue um negocio jurídico de um acto jurídico:

Até agora, em todos os factos jurídicos voluntários verificamos que o facto é resultado da vontade e o efeito é sempre resultado da lei.

O negócio jurídico também é um facto resultante da vontade, todavia quanto aos efeitos estes não resultam da lei.

Entre todos os factos jurídicos que conhecemos, o único em que os efeitos não resultam da lei são os negócios jurídicos.



Nos factos jurídicos voluntários, os efeitos, que resultam da lei, ou são sanções ou vão ao encontro da vontade das pessoas.



Os negócios jurídicos produzem efeitos que não resultam da lei. Se o efeito não resulta da lei, há-de ter uma outra fonte. Nos negócios jurídicos os efeitos são produto da vontade de alguém. Por isso os negócios jurídicos distinguem-se de todos os factos jurídicos voluntários.



O negócio jurídico é celebrado com o intuito de produzir efeitos jurídicos, ou seja, os efeitos jurídicos são pretendidos. O efeito jurídico é o fim para o qual o negócio jurídico é celebrado, de modo que falamos de efeitos volitivos finais, ou seja, os efeitos estão dirigidos à vontade da pessoa. Os efeitos volitivos são efeitos que estão de acordo com vontade e com os fins que são pretendidos.

Como tal podemos concluir que o negócio jurídico é diferente, em função da importância que a vontade nele assume.



O negócio jurídico é o instrumento com o qual as pessoas realizam a sua autonomia da vontade, a sua autonomia privada.

O negócio jurídico é expressão da organização individualista da nossa sociedade. Porque é de acordo com a vontade individual que as pessoas actuam, produzindo factos e efeitos jurídicos. Sem a vontade não há negócio jurídico nem há efeito.



Os negócios jurídicos são celebrados, precisamente, para que se produza um determinado efeito jurídico, pretendido pelas partes.

No negocio jurídicos a vontade é uma vontade de longe alcance. Enquanto que nos outros factos jurídicos a vontade só alcança a primeira etapa, no negócio jurídico também alcança a segunda.



Mas para classificarmos um facto jurídico como voluntário, a vontade só tem que abranger a produção do facto.

No negócio jurídico a vontade tem que abranger as duas etapas.



Estando em causa um negocio jurídico, as exigências que a lei estabelece quanto à vontade, à partida, são maiores do que nos casos em que os efeitos resultam da lei.

No negócio jurídico a pessoa que pratica o acto inclui, também, na sua vontade os efeitos.

Já no acto jurídico simples a lei pode contentar-se com exigências volitivas, muito limitadas porque ela própria determina os efeitos.





VONTADE:

O negócio jurídico é um facto jurídico voluntário lícito, outro facto jurídico voluntário lícito é o acto jurídico.

O acto jurídico é provocado pela vontade mas os efeitos resultam da lei.



O negócio jurídico está regulado no art. 217º a 294º do CCiv.

O acto jurídico está regulado no art.295º.



Na doutrina há uma distinção: os factos jurídicos voluntários que envolvam negócios jurídicos, são também designados por acto jurídico em sentido amplo (que engloba tanto os actos jurídicos como os negócios jurídicos).



Mas a lei, na sua terminologia só distingue entre actos jurídicos e negócios jurídicos. Entendendo por isso os actos jurídicos em sentido estrito.



O negocio jurídico é o instrumento, por excelência, para a realização da autonomia privada, em função da vontade das pessoas, dos seus objectivos, das suas ambições, …

É obvio que uma pessoa só se pode auto determinar quando tem uma vontade sã, em condições para o efeito.

Ex.: Uma pessoa embriagada não tem condições para se auto determinar.



Para o negócio jurídico poder preencher a sua função de satisfazer a autonomia da vontade, ele pressupõe uma vontade sã, sem deficiências interiores ou exteriores. A vontade deve ser uma vontade perfeita. Isto resulta da lógica do instituto do negócio jurídico.

Porque, obviamente, a ordem jurídica apenas pode aceitar um efeito jurídico que a pessoa pretendeu de acordo com a sua vontade. E esta vontade tem que estar em condições, deve ser uma vontade sã. Caso contrario o instituto do negócio jurídico não pode desempenhar a função para a qual se destina.



- Vontade sem deficiências:

Sem deficiências o negócio jurídico é valido e produz os efeitos pretendidos.



- Vontade com deficiências:

Neste caso o negócio jurídico é inválido. Os efeitos são agora afectados pela invalidade.

Só que os termos em que se pode afectar a validade não produzam todos os mesmos efeitos. As deficiências são as mais variadas possíveis e a lei procura responder a isso. Mas a lei tem que recorrer a tipificações, sob pena de perdermos a orientação.

Em virtude das consequências que possam haver e da gravidade, a lei tem dois tipos base de invalidades. Há, assim, duas modalidades típicas de invalidade:

- A anulabilidade;

- A nulidade.



A diferença faz-se sentir ao nível dos efeitos.



Na ANULABILIDADE produzem-se os efeitos pretendidos, todos eles se produzem, sem excepção, mas apenas a título provisório.

Isto significa que se pode adquirir em função de um negócio anulável, mas adquire-se provisoriamente. Adquire-se até alguém invocar a anulabilidade. Em seguida há uma sentença que decreta a anulação e os efeitos pretendidos extinguem-se, desaparecem.

Se alguém invoca a anulabilidade o negócio é anulado e os efeitos extinguem-se, como se o negócio nunca tivesse existido.



Ex.: A vende a B um automóvel. A diz a B que o automóvel está em bom estado e oculta-lhe que o automóvel já teve um acidente muito grave. Aqui A enganou B, induziu-o em erro. A contribui para que a vontade de B não seja uma vontade sã. Isto porque a vontade de B está influenciada pelo dolo, logo é uma vontade com deficiências.

Em virtude desta deficiência o negócio celebrado pelos dois é inválido, mais concretamente é anulável.



A quem pertence o automóvel?

O automóvel é de B.

B há-de pagar o preço a A. A há-de entregar o automóvel a B. E B há-de fazer o registo do automóvel.

Os efeitos do negócio produzem-se integralmente. Só que tudo o que se produz produz-se a título provisório. A obrigação de pagar é precária, tudo é precário, tudo é provisório.

Mas uma coisa é certa, a propriedade é de B. B pode assumir-se como proprietário. O automóvel é dele, só que a titulo provisório.

Enquanto ninguém invoca a anulabilidade do negócio, B é o proprietário. Enquanto ninguém faz valer o dolo, o negócio produz plenamente os seus efeitos.



Em vez de ser anulável, agora o negócio é nulo.



O que se passa com os efeitos?

Não se produzem os efeitos pretendidos.

O negócio jurídico nulo pode produzir efeitos, só que nunca são os efeitos pretendidos.



Ex.: O negócio simulado é um negócio nulo. As pessoas declaram uma vontade que não é a delas, logo o negócio é nulo.



Se uma vontade é tão gravemente deficiente, que provoque a nulidade do negócio, obviamente não se produzem os efeitos pretendidos.

Todavia o negócio jurídico nulo pode produzir efeitos. Neste caso os efeitos vêm da lei. A lei pode fazer com que um negócio jurídico nulo produza efeitos. Efeitos não decorrentes da vontade, mas da lei.



Ex.: A vende a B um automóvel. O negócio é nulo.



A quem pertence o automóvel?

O automóvel pertence a A. Isto porque não se produzem os efeitos pretendidos. Não se produz a transferência da propriedade, nem os efeitos obrigacionais.



B regista o automóvel. O que acontece?



O registo não produz efeitos, isto porque a automóvel não era propriedade de B e não é através do registo que ele se torna proprietário.



A entrega o automóvel. B paga e regista o automóvel.



Tudo isto é feito indevidamente. Uma obrigação que não existe não pode ser cumprida.

O facto de o negócio ser nulo, e apesar disso ser tratado como válido, isso não tira nada à invalidade. Tudo isto é feito indevidamente, visto que uma obrigação que não existe não pode vir a ser cumprida.



Ex.: A vende a B o seu automóvel. O negócio é anulável.



A quem pertence o automóvel?

A B. de modo que B paga o preço e faz o registo e A entrega o automóvel.

Todos os efeitos se produzem a título provisório.



Agora B vende o automóvel que adquiriu a C.

C sabia perfeitamente que o negócio entre A e B era anulável e que, em consequência disso, a propriedade era provisória. Não obstante ele compra. Aqui o negócio entre B e C não tem nenhuma invalidade.



A quem pertence o automóvel?

A C. quanto a isso não há duvida porque o B por mais anulável que seja o negocio é o proprietário. De modo que ele pode dispor da sua propriedade.



O que caracteriza a propriedade que foi adquirida por C?

Se a propriedade que B tinha era, em virtude da anulabilidade do negócio, uma propriedade a título provisório, obviamente a propriedade que ele vendeu a C, não pode deixar de ser, também, uma propriedade a titulo provisório.

Portanto B não pode transmitir a C uma propriedade estável uma vez que ele próprio não a tem.

Uma pessoa não pode transmitir direitos ou bens que não tem. O que ele tinha era uma propriedade provisória, como tal transmitiu uma propriedade provisória.



Ex.: A vende, como anteriormente, o automóvel a B. O negócio é anulável. Todos os efeitos produzem-se a título provisório.

Agora B volta a vender o automóvel e volta a vender a C, só que C não fazia ideia de que o primeiro negócio é anulável. C tomou B como proprietário pleno, estável. Porque as aparências de B são de um proprietário estável, mostra a C o registo, …



A quem pertence o automóvel?

Pertence a C.



Em que termos pertence o automóvel a C?

Em termos provisórios. Porque objectivamente B tinha uma propriedade provisória, B só está em condições de transmitir uma propriedade provisória. Sabendo ou não C, desta situação, o pensamento do adquirente é irrelevante. As impressões de C, a respeito da capacidade de B são irrelevantes.

B não pode transmitir mais do que ele tem.



Numa certa altura B fica a saber que foi enganado por A, descobre que o automóvel teve um acidente muito grave.

O negócio é anulável. Temos uma acção mediante a qual a anulação é invocada. O tribunal decide que houve dolo e há uma sentença de anulação, que extingue o negócio, sendo que tudo se passa como se este nunca tivesse sido realizado.



A propriedade que B tinha regressa a A.



- No caso de C saber que a propriedade de B é provisória:

Os efeitos da anulação limitam-se às partes do negócio? A A e B?

Não. Abrange todos aqueles que entretanto hajam adquirido, abrange os chamados sub adquirentes.



A propriedade regressa, sim, de C para A, isto porque B já deixou de ser proprietário.

C há-de devolver o automóvel a B, e B a A. O preço que C pagou há-de ser-lhe devolvido. Tudo se passa como se o negócio não tivesse sido realizado.





- No caso de C não saber de nada e ver-se perante uma sentença de anulação:

A situação agravasse se C tiver, também ele, transmitido a propriedade.

Os efeitos produzidos pela relação não se limitam às partes, atingem também os terceiros, independentemente da sua má fé e da sua boa fé. Porque os efeitos são produzidos provisoriamente e a anulabilidade destrói-os em relação a todos.

Isto resulta da lei, do art.298º nº1 do CCiv.



Todavia, em certas circunstâncias, muito limitadas, e lei estabelece uma excepção. É a excepção que resulta do artigo 291º do CCiv.

Segundo este artigo não ficam prejudicados os direitos adquiridos sobre o mesmo bem, por terceiros.

O terceiro neste caso é o C. portanto, entre A e B, os efeitos da anulabilidade produzem-se. O direito de C não fica prejudicado. O direito que C adquiriu foi a propriedade provisória.

A lei diz que C pode ficar com estas propriedade, porque foi esta que ele adquiriu. A propriedade provisória de C não fica afectada.

Só que aqui a situação do terceiro poder ficar com o direito adquirido sobre o mesmo bem está extremamente condicionada. Só diz respeito a determinados bens. Têm que ser imóveis ou móveis sujeitos a registo. (Temos aqui a grande excepção ao art.205º nº2).

Se o bem não estiver sujeito a registo, fica logo posto de lado o primeiro pressuposto da protecção a terceiros.

Tem que se tratar de um direito adquirido sobre o mesmo bem. Este bem tem que estar sujeito a registo. Além disso o sujeito tem que ter adquirido a título oneroso, tem que ter havido uma prestação, um sacrifício. Além disso o terceiro tem que estar de boa-fé.



Faltando um dos requisitos não há protecção, têm que existir todos, cumulativamente.



Acresce que devem ter ocorrido sobre o primeiro negócio 3 anos. Ou seja, o terceiro só fica protegido se depois do negócio A-B tiverem passado, no mínimo, 3 anos.

Além disso é necessário que o terceiro tenha feito registo.

Quando o bem está sujeito a registo a acção de anulação também está sujeita a registo. E o registo da anulação tem que ser posterior ao registo da aquisição.



Para se verificar a protecção do terceiro é preciso registar cumulativamente:

- Direito sobre o mesmo bem;

- O bem tem que estar sujeito a registo;

- O bem tem que ter sido adquirido a título oneroso;

- Por um terceiro de boa-fé;

- Que registou antes de haver uma acção de anulação;

- Devem ter decorrido três anos após o primeiro negócio jurídico.



A lei ainda nos explica o que é um terceiro de boa-fé.

A lei só protege o diligente que desconhece, sem culpa, o vício do negocio anterior – o terceiro de boa-fé.



O art.291º protege, excepcionalmente, o terceiro adquirente contra os efeitos da anulação, em condições muito apertadas.

O que a lei faz sempre é que o direito de propriedade prevaleça sobre o direito do terceiro.

O terceiro, em principio fica afecto pelo art.289º nº1. só excepcionalmente isto não acontece.



Ex.: A vende um automóvel a B. O negócio é anulável porque no momento da venda A estava embriagado, não estava na posse das suas propriedades.

Num caso destes o negócio é anulável por incapacidade acidental.

Como o negócio é anulável os efeitos produzem-se todos, mas provisoriamente.

B paga, regista e depois como tem problemas económicos pede um empréstimo ao banco.

Como garantia constitui uma hipoteca sobre a propriedade do seu automóvel.



O banco pode ficar regido pelo art.291º?

O banco tem um direito adquirido sobre o mesmo bem. O direito de hipoteca sobre o automóvel.

O direito adquirido pelo terceiro não há-de ser idêntico ao adquirido por B. o que há-de ser idêntico é o bem.

O direito de C pode ser diferente do direito de B, desde o bem que subjaz aos dois direitos seja o mesmo.



Ex.: A vende a B um automóvel. O negócio é nulo. A quem pertence o automóvel?

A A. Nenhum dos efeitos pretendidos se produz.



Todavia A e B tratam o negócio como se fosse válido. A entrega o automóvel a B. B paga a A. B regista o automóvel.



A quem pertence o automóvel?

A A.

Tudo o que as partes fazem, nada altera a nulidade.



B vende o automóvel a C. C paga a B. B entrega o automóvel e C regista-o.



A quem pertence o automóvel?

A A. O automóvel continua a pertencer a A porque a propriedade não se transmitiu e uma propriedade que não foi transmitida não se pode transmitir.

Todavia esta situação tem uma coisa extremamente perigosa. +e que as aparências criadas estão em plena contradição com a realidade jurídica. Isto porque para uma pessoa que não está dentro do assunto que aparece como proprietário é o C.

A aparência é diferente da realidade jurídica. Esta situação é extremamente perigosa para o direito. É um facto de perturbação, porque a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado.

A sentença declara que a propriedade nunca saiu de A. De modo que os sub adquirentes hão-de devolver as prestações. E aqui pode suceder que tenham sido celebrados.



É absolutamente claro que aqui, o terceiro nunca adquiriu direito nenhum. O negócio anulável há sempre uma aquisição de propriedade, ainda que provisória.



Mas no negócio nulo isso é impossível. Não há efeito pretendido que se tenha produzido. Todavia o terceiro pode vir a ficar protegido.



No negócio nulo o terceiro pode vir a ficar protegido, só que o mecanismo de protecção há-de ser diferente da protecção do terceiro no negócio anulável.





3-12-2004



A vende a B. O negócio é anulável.

A quem pertence o bem?

O bem pertence a B.



A vende a C.

A quem pertence a o bem?

A C.



O bem pertence sempre ao adquirente, só que a titulo provisório.

O direito é sempre um pouco diminuído, na medida em que é provisório.



Sendo o negocio anulável ele não garante nada. Isto porque o negócio anulável pode vir a ser anulado.

Neste caso o que sucede?

Verificam-se as consequências previstas no art.289º nº1.

A anulação do negocio tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que for efectuado.

Tudo se passa como se o negócio não tivesse sido realizado. As consequências da anulação estendem-se, também, a todos os sub adquirentes, todos são abrangidos.

Estas consequências são, para o tráfico jurídico negocial, aflitivas. Na medida em que pode ser destruídas situações de segurança, perfeitamente legitimas.



Para proteger os terceiros, e só estes, os sub adquirentes, a lei estabelece o art.291º.

Em relação a estes, a lei diz que os seus direitos adquiridos, por título provisório, não ficam prejudicados. O adquirente pode ficar com eles, se se tratam de direitos em relação ao mesmo bem, desde que este direito tenha sido adquirido a título oneroso pelo terceiro; o terceiro ao adquirir a título onerosos há-de ter estado de boa-fé. Ele ignora, sem culpa o vício do primeiro negócio. Tem que se tratar de um bem sujeito a registo, que são todos os bens imóveis e determinados móveis. Este registo em relação ao bem há-de ter sido feito pelo terceiro adquirente, e há-de ter sido registado antes de ter sido registada a acção de anulação.

Este registo da acção de anulação deve ser posterior ao registo do bem pelo terceiro.

Mas tudo isto não adianta enquanto não tiverem decorrido 3 anos sobre a realização do primeiro negócio.

Portanto a protecção do terceiro adquirente é muito limitada, é preciso reunir muitos pressupostos.



Todavia o art.291º é muito importante, é uma norma excepcional, na medida em que constitui uma excepção ao art.289º nº1.













O art.291º a favor de terceiros, estanca os efeitos do art.289º nº1.

De modo que há um conflito de interesses entre o terceiro e o primeiro, que já não consegue recuperar o seu direito, mediante anulação.

Os efeitos do art.289º, que em principio se produziriam, deixam de se produzir, devido ao art.291º.



A lei diz que não ficam prejudicados os direitos adquiridos, e o direito que o terceiro adquire é contratual.

O direito que ele tinha a título provisório passa a ser um direito de título permanente.



A aquisição a titulo onerosos deve-se verificar, tão só, na pessoa do último adquirente.



A protecção do terceiro nunca funciona, enquanto do primeiro negócio não tenham decorrido três anos.

Porque é que a lei faz isso?

Na medida em que o terceiro é protegido, o primeiro não o será. Ora, a lei quer dar ao primeiro todas as possibilidades de fazer valer o seu direito e dá-lhe três anos para isso.

Mas podem ter decorrido 10 anos sobre o negócio, se o registo da propriedade do terceiro não for anterior ao registo da acção de anulação o terceiro não é protegido, não pode ficar com os direitos adquiridos.

A lei consagra uma série de conflitos de interesses e premeia quem for diligente.



Ex.: A vende a B. A foi vítima de dolo ou de coacção moral. O negócio é anulável.

A só 4 ou 5 anos depois fica a saber que foi enganado. Ainda pode anular?

Anular pode, e ainda pode ter sorte se o terceiro adquirente não registou.

O prazo não decorreu. Uma coisa é o prazo da anulação, outra coisa é o prazo do art.291º.

O vício pode cessar muito tempo a seguir ao negócio.

A pode anular, mas o êxito desta anulação depende do art.291º. o terceiro pode, ou não ficar protegido.

O prazo de anulação nada tem a ver com os três anos.



Ex.: A doa a B. O negocio é anulável. B vende a C que está ao par da situação, está de má fé, conhece A como homem desleixado. Confia em B e na negligencia de A.

A foi vitima de dolo.



Neste caso C fica com o bem, apesar de este ter agido de má fé. Isto porque a não se mexeu, não reage.

A lei protege os mais diligentes. E neste caso uma pessoa que age de má fé acaba por ser protegida.



Ex.: A vende a B. O negócio é nulo.

A quem pertence o bem?

O bem é de A.



O negócio nulo não produz efeitos pretendidos. Por maior que seja a vontade das pessoas de transmitir a propriedade não pode transmiti-la.

Não se consegue transmitir a propriedade de um bem que não se adquiriu.



Se o negócio é nulo não se produzem os efeitos pretendidos pelas partes. O que não significa que não hajam efeitos nenhuns.

É possível que os efeitos pretendidos não se produzam, mas podem haver efeitos que não decorram da vontade. O negócio nulo pode ter efeitos, mas apenas pode tê-los quando a lei, excepcionalmente, o prevê.

Normalmente a lei não prevê efeitos dos negócios nulos. Mas, excepcionalmente, a lei pode, ao negócio nulo, atribuir efeitos. Não os pretendidos mas outros.



O negócio nulo é um facto jurídico que, apesar de ser nulo tem aparência de um negócio válido.



Ex.: A vende a B. São dois homens sem grandes conhecimentos, mas pessoas honestas. Fazem um negócio em que A vende a B um terreno. Os dois estão convencidos que para o feito basta fazerem um contrato escrito.

A entrega o terreno. B paga o preço.



A quem pertence o terreno?

O terreno pertence a A.



O negócio é nulo por falta de forma. Os efeitos pretendidos não se produzem. A propriedade não se transmite.



A lei olha para o negócio nulo e vê se pode ser aproveitado.

A lei prevê que este negócio nulo, de contrato de compra e venda, possa ser convertido num contrato de promessa de compra e venda, se for essa a vontade das partes.

O negócio de promessa só está sujeito a documento particular.

No contrato de promessa as partes comprometem-se, a transferir a propriedade no futuro.



A lei, com este pequeno desvio aproveita este negócio nulo.

Como tal, um negócio nulo não é zero. A lei pode aproveitar o negócio.



Neste caso as pessoas quiseram vender, e a lei aproveita isso com vista a um futuro contrato válido.



Se A vende a B e o negócio é nulo, não há produção dos efeitos pretendidos. Não há transmissão de propriedade.







VENDA DE COISA ALHEIA:



Ex.: O “adquirente” (B) transmite, por seu lado a um sub adquirente.

A quem pertence o bem?

Pertence a A. Porque se B vende a C, o negócio não pode deixar de ser nulo. Isto porque ninguém pode transmitir a propriedade que não tem. O negócio é nulo porque se trata de venda de coisa alheia.

A venda de coisa alheia também funciona em termos objectivos. Alguém vende algo que não é seu, como sendo seu.

Há pessoas que vendem coisas alheias pensando que são suas.



Há venda de coisa alheia quando alguém vende algo que não é seu, independentemente de ter, ou não, consciência disso.

A venda de coisa alheia é sempre nula, independentemente da boa ou má fé do vendedor e da boa ou má fé do comprador.



Só que a lei aqui prevê, excepcionalmente um efeito do negócio nulo.

A lei diz que é nula a venda de coisa alheia, todavia o vendedor não pode invocar a nulidade em relação ao comprador de boa-fé.

Isto significa que o negócio nulo produz efeitos.



Ex.: A vende a B um automóvel. A é dono de um stand de automóveis. O automóvel não pertence a A. Mas B face às circunstancias fica convencido de que o automóvel é de A.



Qual o valor do negocio?

O negócio é nulo. Todavia o que sucede?



A não pode invocar esta nulidade contra B.

Qual a consequência disto?

Entre as partes são devidas as prestações. A entregará o automóvel e B há-de pagar o preço.



Esta figura é uma figura de nulidade atípica. Porque a nulidade, em princípio, pode ser invocada por qualquer interessado. A lei aqui diz que o vendedor não pode invocar a nulidade. Temos um desvio do regime geral da nulidade.



(Ex.: Temos um contrato de arrendamento que está sujeito a forma escrita. Esta não foi observada.

A lei diz que o senhorio não pode, face ao arrendatário invocar a falta de forma.

A parte que deve ser protegida é o inquilino, de modo que este pode, se quiser, invocar a nulidade. O senhorio não o pode fazer.

Este negócio nulo também produz efeitos. Efeitos que não resultam da vontade das partes mas, sim, da lei.)



Isto significa que se A vende um bem que não lhe pertence, A não pode invocar a nulidade do negócio. B adquire um direito em relação a A, no sentido de A não poder invocar a nulidade.

O comprador tem uma posição relativa contra o vendedor. Adquiriu um direito, mas um direito muito frágil.

Ele tem este direito. Mas apenas em relação ao vendedor. Se o verdadeiro proprietário aparecer, B não tem direito nenhum.



O carro pertence a G. É-lhe roubado e vai para ao stand de A. A vende a B. B pensa que A é proprietário.



A vende a B coisa alheia. B tem, face a A, uma posição de defesa, tem um direito adquirido de a nulidade não poder ser invocada. B tem uma protecção relativa a A, por força da lei.



G reivindica o carro. B não tem defesa contra G. G está alheio a este negocio e pode invocar a sua propriedade.



B tem um direito adquirido, somente face a A. B adquiriu um direito fraco, limitado e relativo apenas a A, o vendedor. Adquiriu-o não por força de um contrato, mas sim por força da lei.



Ex.: A vende a B. o negócio é nulo. B vende a C.

O negócio entre B e C é nulo porque se trata de venda de coisa alheia.

A é o proprietário.



C tem algum direito?

Sim. C tem um direito legal relativo face a B. Isto porque B vendeu coisa alheia, e c está de boa fé, pensa que B é proprietário e B não lhe pode invocar a nulidade.

C adquiriu um direito face a B.



A invoca a nulidade. O que sucede?



Temos efeitos retroactivos?

Não. Porque como nenhuma propriedade foi transmitida, ela não pode regressar a A. Ele nunca a perdeu.



Temos efeitos restitutivos?

Temos. Tem que ser restituído tudo o que tiver sido prestado. C recebe o preço que pagou. O carro regressa de C para B e de B para A.



Mas C lamenta-se e alega que quando adquiriu o bem a B não fazia ideia de que este não era o proprietário.



A vende a B um automóvel. O negócio é nulo. Mas B paga o preço, A entrega o automóvel…

Existem todas as aparências de B ser o proprietário.

C atendendo a estas aparências, acredita, justificadamente, que B é proprietário.



Todavia o que sucede?

B não pode opor a nulidade do negocio a C. ou seja, C adquiriu um direito relativo a B.



Mas C vê-se confrontado com uma sentença que declara a nulidade do negócio A-B.



A propriedade é de A, e têm de se restituir todas as prestações.

Art.289º nº1, diz que, tanto a anulação como a nulidade têm efeitos retroactivos.

Mas só a anulação tem efeitos retroactivos.



C invoca a sua boa-fé, invoca que adquiriu a titulo oneroso, que está em causa um bem sujeito a registo, … E invoca um direito adquirido, o seu direito adquirido face a B.



O que diz a lei?

A anulação e a declaração de nulidade não prejudicam os direitos adquiridos.



Ou seja, C invoca o art.291º, outra vez.

E o que pode suceder?

Pode suceder que os pressupostos estejam todos preenchidos. E qual a consequência?

C fica com o seu direito adquirido face a B, mas agora com efeitos alargados, torna-se proprietário em relação a todos.

O direito que C tinha em relação a B torna-se, agora, num direito de propriedade. Ou seja, C adquire agora a propriedade por força da lei. Através da conjugação da regra da venda de bem alheio e do art.291º.



Também é preciso ter em conta o prazo de três anos entre o primeiro negócio e o ultimo. Este prazo protege o verdadeiro proprietário.



Ex.: A vende a B. O negócio é nulo. B vende a C, o negócio é novamente nulo por se tratar de coisa alheia.



Outra coisa também é possível.

C não adquiriu propriedade nenhuma. Mas estando de boa-fé tem, todavia, o direito relativo a B. Entre C e B o negócio há-de ser cumprido. C tem um direito legal relativo a B, só isso.

Isto resulta do art.892º.



A este direito que c tem, junta-se o art.291º. C invoca o art.291º contra A.

Se tiverem os requisitos todos preenchidos, c adquire a propriedade.

C adquire a propriedade através da conjugação de dois preceitos legais: o art.892º e o art.291º. Desde que esteja de boa-fé.



Ex.: A vende a B. o negócio é nulo. B vende a C. C sabe que o primeiro negócio é nulo.

O que adquire C?

C não adquire direito relativo nenhum, face a B. isto porque está de má-fé.

Não tendo adquirido C nada, não pode funcionar o art.291, porque pressupõe um direito adquirido.

Se C está de má-fé, nada adquire.



Nestas relações C sabe que adquiriu um direito relativo?

Não sabe, porque se soubesse é porque estava de má-fé.



Aqui se pode ver que a lei tem uma construção que não corresponde ao pensamento que as pessoas têm.

C pensa ter adquirido a propriedade, porque ele está de boa-fé.

C julga-se proprietário em virtude da sua boa-fé, mas objectivamente não o é nem o pode ser.

C só acaba por ser proprietário quando funciona o mecanismo do art.291º.

O art.291º faz coincidir a realidade jurídica com aquilo que C pensava.



O mecanismo do art.291º só funciona quando temos um negócio jurídico. O terceiro fica protegido, no seu direito, contra o primeiro.

E claro, se o primeiro furtou não tem direito.







PRESCRIÇÃO, CADUCIDADE E EXTINÇÃO DE DIREITOS:



Quando a lei fala de factos jurídicos engloba os factos jurídicos voluntários lícitos, que são os actos jurídicos em sentido amplo, ou os negócios e os actos em sentido estrito.



A lei regula também o decurso do tempo em relação aos direitos adquiridos. Ou seja, o não exercício do direito durante certo tempo pode fazer com que o direito prescreva, caduque ou se extinga.

Alguém tem um direito e não o invoca durante algum tempo, isso faz com que o direito prescreva, caduque ou se extinga.



Há três institutos que são:

- prescrição;

- caducidade;

- não uso.



Portanto o direito prescreve por prescrição, caduca por caducidade e extingue-se por não uso.



Podemos dizer, grosso modo que, os direitos obrigacionais prescrevem, os direitos potestativos caducam e certos direitos reais podem-se extinguir pelo não uso.



A propriedade não caduca, não prescreve, nem se extingue pelo não uso. E quem diz a propriedade diz a maioria dos direitos reais. O que não significa que a propriedade não se possa perder de outra forma.



PRESCRIÇÃO:

Há, portanto direitos que prescrevem.

O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos. O direito prescreve se não tiver sido invocado durante 20 anos.

Este prazo ordinário é reduzido, para outros direitos, para 5 anos, 2 anos e 6 meses.

A lei estabelece um prazo geral e redu-lo, conforme os direitos em causa.



Ex.: Vou regularmente a um restaurante, onde sou cliente habitual e onde tenho boa reputação.

Numa noite vou a este restaurante e levo 5 convidados. A factura é de 650€.

Quando chega a hora de pagar vejo que não tenho dinheiro, nem cartões, nem outro meio de pagamento. O dono do restaurante diz que posso efectuar o pagamento depois.

Nunca mais lá apareço.

Suponhamos que isto aconteceu em Maio ou Junho. Mas só no final do ano o dono do restaurante se apercebe e pede-me que efectue o pagamento. Eu prontifico-me a pagar mas acabo por não o fazer.



O direito prescreveu. Invoco o decurso do prazo para não pagar.

Posso, como tal, invocar a prescrição do direito para não pagar. Porque o crédito prescreveu.

No prazo de 6 meses estas prestações prescrevem.





O direito de crédito extingue-se?

Não. O direito fica de pé. Mas há uma alteração substancial que se verifica nesse direito.

Enquanto o direito não estava prescrito o particular tinha o direito de o exigir judicialmente. Estando o direito prescrito o direito de exigir passa a ser um direito de pretender.



Ex.: O dono do restaurante pede-me para pagar. Eu arranjo sempre desculpas. Mas engano-me e chego à conclusão de que o prazo de prescrição destes direitos é de 2 anos. Como tal pago.

Tendo pago falo com um amigo sobre o assunto e este adverte-me que o prazo é de 6 meses. Eu quero reaver o dinheiro. Posso?

Não. Tudo o que tiver sido prestado, apesar da prescrição não pode ser reavido.

A prescrição só pode ser invocada por aquele de quem, dela beneficia.



O direito de crédito, não sendo exercido durante um certo período prescreve. Transforma-se num direito de pretender. Mas tudo o que for prestado, é um pagamento em função de um dever. Por isso é pago devidamente.



CADUCIDADE:

Depois há direitos que caducam. Para o direito caducar é necessário que a lei determine que o direito só pode ser exercido dentro de um prazo.

Isto acontece, normalmente, com os direitos potestativos.



Ex.: Quando o negócio é anulável, e pessoa em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade, tem direito para pedir a anulação. Mas este direito há-de ser exercido dentro do prazo que a lei estabelece. Decorrido o prazo, o direito caduca.

A anulabilidade pode ser invocada dentro do prazo subsequente ao vicio que lhe deu origem. Dentro de um ano o direito caduca, ou seja, ele já não pode ser invocado.



Na caducidade o direito desaparece. E, tendo caducado o direito, a pessoa contra a qual ele podia ter sido invocado solidifica-se.



Há direitos potestativos que não estão sujeitos a prazo, podendo ser invocados sempre. Mas, normalmente a lei limita os direitos potestativos a um prazo.





NÃO USO DO DIREITO:

Depois temos a situação do não uso do direito.

Nestas situações a lei regula, pontualmente, e aplica aos direitos a regra da caducidade. Ou seja, a caducidade faz com que o direito se extinga, no caso do não uso sucede o mesmo.



A prescrição tem que ser invocada, não funciona automaticamente.



Ex.: O dono do restaurante põe uma acção contra mim, pedindo que eu seja condenado ao pagamento de 650€.

O juiz vê que entre Maio de um ano e Janeiro do ano subsequente, mediana 8 meses e, como tal, o crédito prescreveu.

O que faz o juiz? Ele dá seguimento. Eu sou citado para contestar a acção que foi movida. O que sucede? Eu não contesto, confesso.

O que faz o juiz? Lavra a sentença e condena-me ao pagamento e eu pago.

O juiz sabe da prescrição mas o direito do outro existe. Se eu não invoco a prescrição ele há-de me condenar. Se invocar a prescrição o juiz absolve-me.



Ex.: Eu fui vítima de um dolo, comprei em Maio um carro. O vendedor disse que o carro estava em óptimo estado. No mês seguinte verifico que ele teve um acidente grave, mas estou muito ocupado.

No ano seguinte interponho uma acção pedindo a anulação do negócio invocando dolo.

O que faz o juiz? Vê a data da compra, o momento em que descobri o vício e vê que entre a cessação do vício e a acção medeiam 13 meses. Passou mais de um ano e vai indeferir liminarmente a acção porque a caducidade é do conhecimento oficioso e o direito deixou de existir, caducou.



Há portanto esta diferença substancial entre a caducidade e a prescrição. Esta diferença resulta do conhecimento oficioso na caducidade e da invocação da prescrição.

Na prescrição o direito mantém-se por inteiro. Só passamos de um direito de exigir, ao qual corresponde uma obrigação civil, para um direito de pretender, ao qual corresponde uma obrigação natural.





GARANTIA:



Na análise da parte geral do CCiv, temos ainda o quarto elemento da relação jurídica que é a garantia. Onde a lei fala do exercício e da tutela dos direitos.



Neste caso a lei tem dois capítulos, um dos quais pertence ao processo civil – provas.



O outro capitulo trata de:

- Abuso de direitos;

- Regras no que diz respeito ao recurso à força própria na defesa dos direitos.





Quando um direito tiver sido violado, existe apenas a possibilidade de o lesado recorrer às vias judiciais, policiais, administrativas para exercer o seu direito. A lei exclui o uso da força própria.

Todavia nem sempre é possível accionar os mecanismos normais em tempo útil e oportuno. Neste caso a lei prevê, como medida excepcional, o recurso e o uso da força própria.

Há, aqui, três figuras: acção directa, estado de necessidade e legitima defesa.



Ex.: A é atacado por um cão. Ele arranca um pau da vedação e aplica um golpe na cabeça do cão. O cão fica com uma fractura craniana e precisa de tratamento médico para recuperar.

O dono manda a factura do veterinário a A, para este pagar.

A deve pagar?



A age em estado de necessidade.

Aqui não temos legítima defesa, art.337º. A agressão em causa na legítima defesa tem que provir de uma pessoa. A legítima defesa dirige-se contra pessoas.

Neste caso não temos legítima defesa, porque numa legítima defesa é necessário que haja um agressor humano.



Temos estado de necessidade quando alguém se defende contra um crime que provém de uma coisa. E um cão no regime jurídico é uma coisa.

Neste caso temos duas facetas do estado de necessidade.

Foi danificado o cão, de que provem o perigo, e foi danificada uma coisa da qual não provém perigo, a vedação. São duas situações diferentes.

De modo que temos estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo, respectivamente.



No estado de necessidade posso servir-me de uma coisa para afastar o perigo, como posso destruir uma coisa porque, ela própria constitui o perigo.

O estado de necessidade será actuar contra coisa ou servir-se de coisa para afastar um perigo.





ACÇÃO DIRECTA:

Na acção directa, alguém vê um direito seu em perigo e se vai chamar a polícia, esta já vem tarde, há necessidade de actuar imediatamente.



Ex.: A vê um indivíduo a desactivar o alarme do carro para o roubar. Se chamar a polícia, quando esta vier será tarde. A pega no guarda-chuva e bate-lhe de modo a impedir o furto.



Aqui temos acção directa. Está em causa assegurar o próprio direito, quando os meios competentes chegam tarde. Neste caso temos um pequeno problema que a lei resolveu.



Ex.: O Prof. vai ao carro e vê um aluno debaixo dele.

Vê isto e pega num paralelo e com toda a força atira-o sobre um pé do aluno.

Só que ele não estava lá para estragar o carro mas sim para apanhar uma moeda que lhe caiu.

O aluno recorre ao tribunal e quer ser indemnizado. O Prof. tem que indemnizar?



Quando as pessoas actuam em acção directa têm que assumir um risco específico, e têm que arcar com os prejuízos em situação de erro.







DIREITOS SUBJECTIVOS:

O Direito Privado destina-se a defender e proteger interesses privados. Para o efeito o Direito Privado tem vários mecanismos, e pode proteger os interesses privados com diferentes intensidades.

O instituto que com maior força protege interesses privados é o instituto do direito subjectivo.

O direito subjectivo é o meio, por excelência, para fazer valer a vontade do titular, a respeito de um certo bem sobre o qual tem direitos.

É com o direito subjectivo que o titular faz prevalecer os seus direitos. Todavia, sempre que a lei atribui um direito subjectivo, a lei dá, com isto uma posição estável/fortalecida ao titular.

Uma vez atribuído um direito subjectivo é difícil retira-lo.



Ex.: A é empregado de uma empresa de construção. A faz grandes negócios e o dono da empresa, que tem algum sentido de responsabilidade social, quando a empresa tem bons lucros dá prémios aos funcionários ou paga-lhes um 15º mês.

Se ele diz que é sempre assim, os operários adquirem um direito subjectivo de, no final do ano, terem o premio ou o 15º mês.

Mas há anos em que a empresa não tem resultados tão bons e não tem com que pagar o 15º mês aos funcionários. Mas os empregados têm este direito subjectivo.



O direito subjectivo pode ter o efeito de criar um certo imobilismo, inflexibilidade, de criar situações em que mecanismos de mobilidade não funcionam.



Assim a empresa pode dizer que paga, mas que é uma prestação voluntária, sujeita aos resultados da empresa. Neste caso não se trata de um direito subjectivo.



Muitas vezes a lei protege os interesses privados, mas sem conceder direitos subjectivos.



Art.483º – Artigo em que a lei se refere aos interesses legalmente protegidos.







10-12-2004



DIREITO SUBJECTIVO:



A lei protege os direitos privados e o mais forte é o que é dado pelo direito subjectivo.

O direito subjectivo é muito difícil de ser retirado, o que significa que quando um direito subjectivo é atribuído, este não pode ser retirado.



Por isso muitas vezes a lei protege os interesses privados mas opta por não atribuir direitos subjectivos.



Isto acontece por exemplo no artigo 483º. Podemos, aqui ver como a lei protege sem dar direitos.



A violação do direito subjectivo corresponde muitas vezes com o interesse legalmente protegido, mas nem sempre é assim.

Algumas vezes, é mais fácil provar que houve uma violação de um interesse legalmente protegido do que de um direito subjectivo.



Ex.: Prevê-se que da Ásia vem uma gripe atípica que chegará em poucas semanas à Europa e, inevitavelmente, a Portugal.

Através de uma medida legislativa é imposta uma vacinação obrigatória. A medida tem em vista a protecção da saúde pública.



Este tipo de normas, sendo violadas, e causando prejuízos a alguém, este será indemnizado. Além de uma violação de normas haverá violação de um interesse legalmente protegido, porque está também a violar um interesse particular.



Nestes casos a lei prevê indemnizações.



Se a lei protege interesses e resultam prejuízos da sua violação, se há violação de obrigações, prevêem-se indemnizações.

É necessário cumprir a lei. Se alguém não o faz, ninguém lhe pode dizer para o fazer.

Se do cumprimento da lei resultar um prejuízo por violar um interesse particular, há lugar a indemnização.

(Ex.: As regras de transito cabem aqui).



Portanto a lei protege interesses privados sem atribuir direitos subjectivos. O que a lei não faz é proteger expectativas.





Não há nenhum direito de nenhum particular, de exigir que os outros cumpram a lei.



As leis visam, em primeira linha acautelar interesses comuns.



Sendo violada a norma de um particular, este pode pedir uma indemnização ao lesante.



A lei protege interesses privados sem atribuir direitos subjectivos.



O que a lei não faz é proteger expectativas. A lei, em principio não protege expectativas.



Ex.: A tem um tio rico, que não tem descendentes. A tem expectativa de ser o herdeiro do tio, todavia o tio gasta tudo o que tem em vida.

A que pensava que ia ser herdeiro nada pode fazer. A lei não protege expectativas.



A lei não protege reflexos que vêm de direitos subjectivos.



Ex.: Há um bairro residencial onde as casas estão rodeadas por árvores, de modo que o ambiente de vida é bom.

Temos dois vizinhos, cada um com o sei quintal. Um resolve fazer uma piscina e um campo de ténis deitando a baixo, para o efeito, as árvores do seu quintal. De modo que o benefício que o vizinho tinha com as arvores desaparece.

Aqui, desde que sejam cumpridas as leis que permitem a instalação de piscinas e de campos de ténis, o vizinho que até ai era beneficiado nada pode fazer.

Ele era apenas reflexamente protegido pelo direito subjectivo do outro. Cada um pode aproveitar o seu terreno como lhe convém.



A lei não protege reflexos positivos que vêm para alguém de um direito subjectivo de outro. O reflexo não é nem pode ser protegido.



Mas há um caso em que a lei protege uma mera expectativa.



O direito sucessório português tem uma figura que os portugueses prezam muito é a sucessão legitimaria.

Que consiste no facto de o detentor da herança não poder dispor dos bens que por lei são destinados aos herdeiros legítimos.

Por mais incapazes que sejam os herdeiros eles têm direito a 2/3 da herança.



Atendendo a isto o autor da sucessão pode entender que as coisas são mal empregues, e pode fazer negócios simulados em ordem de prejudicar os herdeiros legais, para com isso contornar a lei sucessória.



Uma pessoa pode pensar que vai ser herdeira mas não tem mais do que uma mera expectativa, porque nada garante que o autor da sucessão não tenha gasto tudo.

Todavia no caso especifico de o autor da sucessão simular negócios com o intuito de prejudicar os herdeiros legítimos, a lei permite-lhe que, ainda em vida do autor da sucessão, os herdeiros possam invocar a nulidade dos negócios simulados.



Os herdeiros legítimos nada podem fazer em relação a negócios reais realizados pelo autor da sucessão.



A lei não protege expectativas. O caso único é quando o herdeiro legítimo se sente defraudado com negócios simulados.



Já não é assim quando temos expectativas jurídicas. A expectativa jurídica é mais do que uma mera expectativa.



Ex.: A compra uma televisão a prestações. Temos um contrato de compra e venda.

A lei permite que o efeito real de transmissão da propriedade seja, por acordo das partes, adiado, ficando em suspenso até ao momento do pagamento integral do preço.

A transferência da propriedade fica condicionada ao pagamento da última prestação.

Aqui o comprador não é proprietário. Continua a ser o vendedor o proprietário.

Só que aqui o comprador apesar de não ser proprietário tem expectativa de vir a ser. Mas aqui já não temos uma mera expectativa, mas sim uma expectativa jurídica, e nesta expectativa jurídica o comprador é protegido.

Neste caso há uma base jurídica contratual para a expectativa. E esta expectativa a lei protege.



Direitos de preferência:



Por vezes estas preferências não fazem sentido.



Ex.: Temos dois vizinhos com terrenos rústicos. Se um dos vizinhos quer vender o terreno pode fazê-lo à vontade só que o outro vizinho tem direito de preferência na compra.

O que significa ter o direito de preferência na compra?



A negoceia a venda do terreno com C. Tendo estipulado todas as condições do contrato com C, A tem que as comunicar ao seu vizinho B. Se B concordar com elas A vende a B e não a C.



Este é um direito meramente artificial, isto porque se não há venda o direito não chega a nascer.

Esta lei tem algum sentido porque favorece o emparcelamento, vai em sentido contrário ao da divisão cada vez maior dos terrenos.



Ex.: Se o senhorio vende a casa o inquilino tem direito de preferência.

Imagine-se que a casa tem 10 andares. Aqui a capacidade do inquilino para conseguir a venda é quase nula.

Neste caso o direito de preferência é um direito que não desempenha o seu papel.

Se se trata apensa de um andar aqui o inquilino já pode ter capacidade para proferir a venda.



Temos direitos de preferência que funcionam de forma completamente diferente.

Aqui, o direito de preferência não tem lógica porque o novo proprietário terá de respeitar o inquilino, terá de respeitar o contrato de arrendamento.



A lei protege, portanto situações de interesses de particulares de forma escalonada. Sendo a forma de protecção mais forte o direito subjectivo.



O direito subjectivo foi, no sec.XIX o instrumento, o instituto do Direito Privado. Porque é através do direito subjectivo que as pessoas faziam valer os seus interesses. De modo que o direito subjectivo é um poder ou uma faculdade atribuída ou reconhecida pela ordem jurídica em função de prosseguir interesses privados. Ou seja o direito subjectivo está dependente da vontade do seu titular.

O direito subjectivo traduz o poder-vontade. O direito subjectivo é a faculdade de exigir ou pretender comportamentos activos ou passivos de outrem ou de produzir alterações na esfera jurídica de outrem.



Os direitos subjectivos têm como finalidade a prossecução dos interesses privados. Esses interesses serão interesses legítimos.

Com isso é garantida a liberdade, a autodeterminação das pessoas. Os direitos subjectivos criam espaços privados para os indivíduos. Ao mesmo tempo o direito subjectivo significa que alguma coisa pertence a alguém.



O direito subjectivo é o objecto imediato da relação jurídica e incide sobre uma coisa, o objecto mediato da relação jurídica.

Todavia há direitos subjectivos que não incidem sobre um objecto.

Ex.: - O poder paternal. A criança não é objecto dos direitos dos pais.

- Direitos de personalidade.

Estes direito definem-se me função do seu conteúdo, dos poderes conferem aos particulares.



A lei quando protege direitos subjectivos fá-lo sempre de acordo com o seu conteúdo. A lei protege os poderes que os direitos subjectivos dão.

Isto tem que ser assim porque por vezes os direitos subjectivos não têm objecto. Mas conteúdo, têm sempre.



Os direitos subjectivos acabam por ser sempre um poder. O poder define o conteúdo do direito subjectivo. Em função disso a lei protege o direito subjectivo.



Todavia, por vezes a lei fala de faculdades, de poderes, de direitos ou de legitimidades sem que estes conceitos se refiram a direitos subjectivos.



O art.405º fala de liberdade contratual. Aqui a lei utiliza a expressão “poder ou faculdade”, mas aqui não está em causa um direito subjectivo.

O direito subjectivo resulta do contrato que vier a ser celebrado. Temos aqui poderes e faculdades que resultam da capacidade de exercício das pessoas.



“Os trabalhadores têm o direito de se inscrever num sindicato”, a lei fala aqui de um direito mas não se trata de um direito subjectivo. A lei fala de direito porque a inscrição não pode ser recusada.



Por vezes a lei fala em legitimidade.

“ Tem legitimidade para anular o contrato, …”

“ Tem legitimidade para invocar a lesão de direito subjectivo a pessoa cujo direito foi lesado”.



Legitimidade significa que estamos perante um conceito de índole processual, ou seja está em questão fazer valer o direito em juízo.

Quem o pode fazer? Em principio o titular do direito. O titular do direito é legitimado para fazer valer o direito em juízo.

Mas algumas vezes a legitimidade não cabe ao titular.



Ex.: É violado um direito subjectivo de uma criança de dois anos. Aqui a legitimidade cabe não a um titular do direito mas a outrem, a representantes legais.



Há uma figura que é um pouco o contrário de uma legitimidade. A lei fala aqui num ónus. A doutrina também fala de um ónus assim como fala de incumbências. Estes são comportamentos que se esperam de alguém, ou que alguém deve observar para evitar prejuízos.



Se alguém é titular de um direito, e o direito que incide sobre um bem. Obviamente o titular pode cuidar dos seus bens com a negligência ou com o cuidado que lhe são próprios, cada um vive à sua maneira.

As pessoas podem descuidar-se, e deste descuido pode resultar um efeito negativo que há-de ser suportado pelas próprias pessoas.

As pessoas têm para consigo uma obrigação, não no sentido de obrigação jurídica, mas uma obrigação de cuidado com os seus bens.

Ninguém pode exigir a outrem que cumpra as suas incumbências, os seus ónus.



Ex.: A desloca-se com o seu carro de Braga ao Porto. A não pode exigir que os outros cumpram as regras de trânsito.

A tem um acidente, fica com o carro bastante danificado. Ele deixa o carro, anda 500m à procura de um posto para telefonar. Ele não fechou o carro, e quando regressa ao carro desapareceram um portátil, uma mala e o auto-rádio.

A não teve culpa alguma no acidente, de modo que ele tem o direito de indemnização, quanto a todos os prejuízos que o carro sofreu, assim como em relação a todos os danos que ele próprio sofreu.

Ele também quer ser indemnizado pelas coisas que foram furtadas. Será que pode?

Não porque isto deve-se ao desleixo dele. Ele não cumpriu uma incumbência, um ónus, o ónus de cuidar das suas coisas.

Esta situação está prevista no art.570º do CCiv.

Ele não pode pedir a indemnização ao responsável pelo acidente.



O furto do objecto surge na sequencia do acidente mas isto não é responsabilidade do culpado pelo acidente, mas sim da negligencia de A.



Classificação dos direitos subjectivos:



Os direitos subjectivos podem ser classificados através de vários critérios:



- De acordo com os poderes que confere, de acordo com o seu conteúdo;

- Em função do bem jurídico que querem proteger. Ex.: direito à família;



- Em função da oponibilidade em relação a outros.



- De acordo com a sua origem;



- Como transmissíveis ou não transmissíveis.

Há direitos que são estritamente pessoais, que estão ligados aos seus titulares e como tal não podem ser transmitidos.



Vamo-nos basear no critério dos efeitos que o direito subjectivo provoca, tendo em conta a distinção entre efeitos erga omnes e efeitos inter partes.



Os direitos subjectivos que têm efeitos erga omnes são os direitos reais, ou numa acepção mais lata são os direitos absolutos.

Aos direitos absolutos pertencem os direitos reais e os direitos de personalidade.



O que significa absoluto neste contexto?

Absoluto contrapõe-se a relativo.

O direito absoluto significa que alguém é titular e exclui, com isso todos os outros. Os direitos absolutos dão ao seu titular um direito exclusivo.

O direito absoluto pode incidir sobre uma coisa e então temos os direitos reais, temos um poder de domínio.





Quanto aos direitos reais podemos fazer varias distinções:



- Os direitos reais podem incidir sobre coisa própria ou sobre coisa alheia.

Os direitos reais que incidem sobre coisa própria são direitos reais ilimitados, como é o caso do direito de propriedade.

Os direitos reais que incidem sobre coisa alheia são direitos reais limitados, são todos os outros direitos, que não os direitos de propriedade.



- Direitos reais que conferem posse e direitos reais que não conferem posse.

Os direitos reais que não conferem posse são os direitos reais limitados, como é o caso dos direitos de superfície, das servidões, do penhor, da hipoteca, dos direitos de uso e da aplicação. Todos eles são direitos reais limitados que incidem sobre coisa alheia.

Na hipoteca uma pessoa é proprietária, outra é titular do direito real limitado.

Um direito real limitado que não confere posse é a hipoteca.

(Para evitar as fraudes a propósito das hipotecas foi instituído o registo hipotecário.)



- Em função disso podemos distinguir direitos subjectivos de gozo e direitos subjectivos de garantia.



Os direitos subjectivos de gozo conferem posse e em virtude disso a pessoa pode gozar, fruir da coisa.



Os direitos subjectivos de garantia podem não conferir posse. Temos como exemplo a hipoteca que não confere posse. Mas para que se saiba que não há posse temos o registo.

Temos um direito subjectivo de garantia que confere posse que é o penhor.

O penhor incide sobre o bem, que é entregue à casa de penhor que em função disso dá um certo montante à pessoa. Se o dinheiro emprestado não for restituído no prazo estabelecido a casa fica com o bem.



Há entre a hipoteca e o penhor uma diferença substancial. Quando um bem é hipotecado ele continua na posse do seu proprietário. Já quando o bem é penhorado deixa de estar na posse do proprietário.



Ex.: A é comerciante de legumes. Para efeito tem um carro. Os negócios estão difíceis e numa certa altura A tem que fazer obras no armazém de que é arrendatário. Mas a não tem dinheiro e único bem que possui é o carro.

A pede um empréstimo para fazer as obras e dá como garantia, para o banco, o carro.

Agora temos duas hipóteses:

- O banco constitui um penhor sobre o carro.

Neste caso A ficava numa situação pior do que estava antes. De modo que não é isso que se faz.

- O banco hipoteca o carro e ele fica, ainda na posse de A.



A hipoteca é um direito real de garantia, compatível com uma economia dinâmica, que continua a dar hipótese ao devedor de usar o bem hipotecado.



Normalmente são penhorados bens que em termos económicos não têm grande utilidade.



(Quanto à hipoteca o registo é um bem constitutivo.)



Os direitos absolutos são direitos que têm um carácter exclusivo, afastando todos os outros, daí resulta uma regra:











Isto é logicamente impossível porque os direitos excluem-se mutuamente.

Negócios que contrariem esta regra são nulos porque legalmente impossíveis.



Ex.: A tem uma casa. Ele é proprietário tem direito de propriedade que incide sobre um bem imóvel.

A quer pintar a casa por fora e fazer umas obras e necessita de dinheiro para o efeito.

O banco empresta o dinheiro mas quer uma garantia. Assim, por contrato entre o banco e A é constituída uma hipoteca, que é um direito real limitado, sobre a propriedade de A.

Ou seja, em relação ao bem imóvel temos primeiro o direito de propriedade e a seguir o direito de hipoteca.

Isto é possível?

É, temos aqui dois direitos reais que incidem sobre o mesmo bem mas que têm conteúdos diferentes.

A, ainda pode, nestas circunstancias constituir o usufruto em relação a um filho. Este também é um direito real limitado. Temos aqui outro direito.



Podem haver vários direitos reais, com conteúdos diferentes, sobre o mesmo bem.

Não há problema quanto a isso porque é o conteúdo que delimita o grau de compatibilidade.



Ex.: A tem uma casa, constitui usufruto em relação a B e pouco tempo depois em relação a C.

O segundo usufruto é nulo porque não podem haver dois direitos reais sobre o mesmo bem.



Por isso é nula a venda de coisa alheia.



Esta regra resulta do carácter exclusivo do direito real em causa.

Se a regra for violada a segunda constituição é nula, é legalmente impossível.



Os direitos relativos têm apenas efeitos inter partes, falta-lhe o carácter de exclusividade.



Ex.: A é pianista. Na passagem de ano vai tocar num restaurante.

Quando isto é sabido no Casino da Póvoa, convidam-no para, no mesmo dia, fazer lá um concerto. Oferecem-lhe um óptimo cachê. A perante esta oferta conclui novo contrato com o Casino da Póvoa.

Isto chega à concorrência, ao Casino do Estoril, e convidam A para tocar em Lisboa na passagem de ano. A oferta é ainda melhor de modo que A não resiste e celebra um novo contrato.

Qual o valor destes contratos?

Os contratos não implicam nenhuma disposição de nenhum direito, apenas se referem a obrigações. Como tal os contratos são todos válidos.



Ex.: A tem uma casa, há vários interessados em comprá-la. A faz três contratos de promessa de compra e venda a favor de três pessoas diferentes, com valores diferentes.

Todos os contratos são válidos.



Ou seja, não existe em relação aos direitos relativos a regra de que não podem haver direitos com o mesmo conteúdo sobre o mesmo bem.



Quando é violada a regra quanto aos direitos reais a lei estabelece como sanção a nulidade do negócio.

Quanto às obrigações isto não sucede. Os direitos são todos validos.



Quando temos vários negócios validos o problema que se põe é saber qual deles cumprir. A pessoa que assume, sucessivamente os mesmos compromissos, sobre a mesma prestação não pode cumpri-los todos. Resta saber qual deles vai cumprir.

A este respeito o CCiv tem uma regra, o art.407º.

Este artigo baseia-se num determinado raciocínio que acenta em características dos direitos relativos.

Os direitos relativos não conferem nenhum poder de domínio. Efectivamente os direitos relativos sendo direitos a uma prestação não conferem nenhum poder de domínio, ao contrário dos direitos reais. O que conferem é o direito a ver efectuada uma prestação (vender a casa; tocar piano).



Temos direitos obrigacionais que se limitam à mera efectivação da prestação (tocar piano, celebrar um contrato). Mas também sucede um direito em que há direito de prestação, mas em que é também transferida a utilização de uma coisa (como é o caso do arrendamento). De modo que nos direitos obrigações fazemos uma distinção que está presente nos direitos reais.



Temos direitos reais que conferem posse e direitos reais que não conferem posse.

Normalmente conferem, mas podem não conferir quando está envolvida a transferência da utilização da coisa.



Direitos pessoais de gozo. Não está aqui em causa um direito real, mas um direito obrigacional que entre as partes A e B implica a transferência da utilização da coisa.

Um caso típico é o arrendamento. O inquilino, em função do arrendamento ganha a posse, ele utiliza a casa.

O mesmo não acontece quando A se compromete a pagar. Temos apenas aqui a prestação pessoal.



O art.407º baseia-se na distinção entre direitos obrigação que conferem a posse e direitos obrigacionais que não conferem a posse.

O problema que ele há-de resolver é de saber qual das obrigações assumidas há-de ser cumprida. Qual a obrigação que prevalece.



Temos compromissos válidos. 0 art.407º resolve a questão de qual a obrigação que há-de ser cumprida, mas apenas em parte.

Resolve em relação aos direitos obrigacionais que conferem posse, os chamados direitos pessoais de gozo, e resolve isto de modo razoável. A lei diz que prevalece o mais antigo em data.

Esta é a regra, só que há aqui um senão: “sem prejuízo das regras próprias do registo”.



Aqui pode suceder o seguinte:

Há contratos que estão sujeitos a registo predial.

Se A arrenda a sua casa a G e depois a B, prevalece o contrato celebrado com G, que é o direito mais antigo. E os contratos habitacionais não estão sujeitos a registo nenhum.

Já quando é arrendado um espaço comercial, para este tipo de contrato é necessário efectuar um registo, art.2º do Código do Registo Predial.



O registo tem, quanto à prevalência dos direitos regras próprias. Prevalece o direito em primeiro lugar registado. Essa é a regra da prioridade. Esta é uma regra que quer impelir as pessoas a serem diligentes.

A lei do registo premeia o diligente e castiga o negligente.



Portanto prevalece o direito mais antigo em data, a não ser que valham as regras do registo.



Quanto às outras obrigações que não implicam gozo, a lei não regula nada.

É o próprio devedor que decide que contrato vai cumprir. Porque ele só pode cumprir uma vez, ele decide qual há-de cumprir.

E há uma sanção para o devedor, que é a responsabilidade contratual por incumprimento do contrato. A sanção aqui não consiste numa nulidade mas sim numa indemnização.



Estando em causa direitos reais, e havendo negócios sucessivos, o segundo negocio é nulo.


NB:
Coloquei aqui para os interesantes podem ter acesso.

1 comentário:

  1. Achei muito interessante a matéria... E agradeço ao professor pela ideia de querer ajudar os alunos a compreenderem melhor a materia de tgdc que é muito bonita e importante no curso de direito, coisa que os nossos professores angolanos não têm sabido fazer. Edwinnie Costa e Cunha - edwinniecostaecunha@hotmail.com

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Muito obrigado

GENTE DE TIMOR (Obra Original do Paulo S. Martins)

Da ilha verde, da forma de crocodilo.
Da verdura montanhosa e da alma lutadora.
De um sangue humilhado mas não ser humilhada.


Da brisa da frescura e do aroma da verdura,
Do rio pedroso e das rasas espinhosas,
das cores arco-íris e das flores da natureza.


Ó gente de Timor...!
Das praias bonitas e das ondas manhosas,
das águas quentinhas e das bocas sorridentes.


Do coração da pomba e pele da cobra,
dos olhos da águia e pés dos crocodilos.
das mãos do campo dos pés do viagante.


Ó gente,
minha gente
gente de Timor...!
mostrai a boca e lavai os olhos,
treinai as asas e voai mais alto,
treinai os pés e chegai mais longe.


Uma Lisan Diurpu,

Uma Lisan Diurpu,
Uma lisan Diurpu, hanesan uma lisan eh Uma Knua eh Uma Lulik ka ho lian português "Casa Sagrada" timor nian ne'ebé mos sai hanesan Uma Lulik ne'ebé importante iha Knua Ria-ailau, Ainaro-Manutaci. Uma Lulik ne'e besik ba Ramelau hun. Uma ne'e agora nia gerasaun ladun barak, maibé komesa buras fali ona ba oin ho prezensa foin sa'e sira ne'ebé foin moris iha tinan 1990 mai leten. Agora dadaun Sr.António mak hola fatin eh substitui fali Sr. Augusto ne'ebé uluk nudar bali nain ba Uma Lulik ne'e nia fatin para bali uma ne'e. Uma Diurpu lokaliza iha Distritu Ainaro, Subdistritu Ainaro, Suco Manutaci no Aldeia IV. Nia fatin uluk besik malu ho uma Lisan Mantilu ne'ebé uluk iha Mupelotui no Maupelohata. Maibe agora sai ona mai iha buat mos ka fatin foun principalmente iha tempo katuas Augosto nian. Ita hare iha imagem ne'e, iha uma ne'e nia kotuk ida kalohan taka ne'e mak foho Ramelau ka Tatamailau. Hori uluk iha okupasaun Portuguesa no Ocupasaun Indonésia nian iha Timor, Uma Diurpu seidauk hetan Sunu ka amesa hosi Ahi. Tanba tuir história beiala sira nian, uma ida ne'e ahi nunka bela han, ka ahi la han. Tuir lian nain no katuas sira nebe hare ho matan, katak iha tempo kolonial português nian iha Timor, uma Mantilu nebe momentu neba hari besik kedan uma Diurpu (Uma tatis sei ba malu) ne'e ahi han tia iha kalan ida, nebe tuir lolos uma Diurpu ne'e mos ahi tenki han hotu, nia logika nune, tanba uma rua ne'e rabat malu kedan. Maibe katuas sira haktuir dehan, sa mak akontese iha momentu neba mak, manu makikit mean (manu lokmea ) ba tur iha uma Diurpu nia kakuluk ne'e i kuando ahi lakan ne'e baku ba uma Diurpu nia leten, manu makikit ne'e loke liras dala ida, ahi lakan baku fali ba parte seluk. Ho nune'e ahi han uma Mantilu ne'e to romata, maibe uma Diurpu ne'e ahi la han. I manu makikit ne'e tur iha uma ne'e nia kakuluk to ahi lakan hotu ka mate. Iha kolonial indonésia nian, ahi nunka han uma ne'e. Milisia sira tama to'o iha bairro neba i sunu uma Builiuh nebe iha kraik mai maibe la sunu uma Diurpu, milisia sira liu kona dalan ninin deit i neon la kona ka la hanoin at ba Uma ne'e. Além de ne'e, katuas assasinio ka oho dor no katuas seluk nebe ema iha suku laran konsidera katak lia-nain iha suko ne'e fo sasin katak uma Diurpu ne'e iha nia karakter da unika i ema ne'ebé hanoin a'at nunka bele hakat to'o uma ne'e nia sorin, tanba sei la hetan dalan atu tama ba uma ne'e. Iha tempo indonésia nian, iha momento nebé ami hotu sei kik, kuando kalan ka loron mak bapa sira atu tama ba ou falintil sira lao besik iha uma ne'e, ita iha uma laran hatene kedan ona tanba iha manu (ho froma manu fuik hanesan andorinha bot) ida nebe'e hanesan manu makikit kik ne'e semo haleu uma laran ne'e i fó alerta ba ita. Iha ne'e ita nebe toba iha uma laran sei la dukur tanba manu ne'e nia liras sempre baku ita no baku buat kroat nebe ita iha. Uma ne'e uluk iha Maupelohata hansa dehan tia ona. Sai fali mai iha nia fatin foun, hari'i desde 1976 no'o troka lolos iha 1998. Hafoin ta'a fali ai foun no prepara material foun pois hari'i fali iha 1998 to agora 2014. Nia kondisaun diak nafatin hansa ita hare iha retrato ne'e, nia varanda luan liu uluk nian. No Nia sempre nakloke ba ema hotu nebe hakarak ba visita Nia. By Paulo S. Martins (qno.tls@gmail.com)