Quando eu era criança, ouvi uma historia contada pelos mais velhos, quer pelos os meus avós, quer pelos meus pais, de que “os portugueses e os timorenses são irmãos”. Acrescentaram ainda que “os portugueses vieram cá não por vontade deles, mas porque já tinha sido pré-determinado por ‘ELE’.
Contaram ainda que os timorenses foram os primeiros a receber ‘um livro e uma caneta’ oferecidos por ELE, embora não os tivessem usado para adquirir sabedoria e, pelo contrário, utilizaram-nos para outro fim. Esta utilização foi considerada como um ato insensato que conduzia à prática de blasfémia. Este ato foi censurado e considerado um ato intolerável. Claro que, a partir daí, todos foram repreendidos. Como consequência dessa repreensão, foram enviados para Timor portugueses, com o intuito de dar uma educação adequada aos timorenses e, se necessário, castigá-los. Por isso, o ano de 1515 é o primeiro ano de encontro dos missionários portugueses com as populações de Timor e seus chefes – liurais (régulos). Este encontro teve lugar no enclave de Oecússi.
Dizem que o passado é o mestre para o futuro, logo, digamos que se deve lembrar o passado para melhor construir o futuro. Nesta lógica, foram celebrados os 500 anos da interação de duas civilizações: Timor-Leste e Portugal e a afirmação da identidade timorense, precisamente no enclave Oecússi – Ambeno. Esta cerimónia teve lugar no dia 1 de outubro a 27 de novembro de 2015[1].
Na verdade, a expressão de que somos irmãos (Timor – Portugual) tem a sua própria razão de ser, mediante a invocação de alguns factos fundamentais, nomeadamente, a formação dos recursos humanos timorenses nos anos 70 - embora esta formação fosse extremamente limitada em relação à realidade sociocultural naquela altura; e a participação do povo português na luta timorense pela libertação da pátria. Esta última razão, faz-me lembrar a música de João Gil, cuja letra é de João Monge, entoada emocionalmente pelos Trovante, na qual se diz no refrão que:
Ai Timor
calam-se as vozes
dos teus avós
Ai Timor
se outros calam
cantemos nós[2]
De facto e, na altura, se o mundo cala, cantemos nós - nós português e nós timorenses, para que os olhos do mundo sejam abertos ao problema de Timor, uma vez que houve várias violações de direitos humanos. Estávamos a gritar pelo nosso direito e pela nossa dignidade humana que, em regra, não deviam ser violados e esmagados como poeira sem ter valor nenhum.
Vale a pena lembrar aqui um dos momentos marcantes de aliança entre o povo português e Timor: no momento do massacre de Santa Cruz, os portugueses iluminaram todas as ruas de Portugal com as velas acesas, com fé em Deus e com orações, acompanhando com os lenços brancos, a pedir paz por Timor e o fim do sofrimento que o povo irmão estava a enfrentar.
Logo no primeiro dia de chegada do nosso líder Xanana Gusmão a Portugal, ele foi recebido carinhosamente pelo líderes e povo portugueses. Quando discursou no Parque das Nações, Xanana, em nome do povo de Timor-Lorosa’e, agradecia por todo o apoio que tinha sido dado pelo povo irmão português na luta pela libertação da pátria de Timor.
Hoje em dia, este laço de amizade, é provado fortemente através de várias cooperações em vários sectores estratégicos, nomeadamente, no sector da educação, da justiça, militar, entre outros.
É de salientar que, com a interação de duas civilizações, o povo timorense se viria a tornar um povo predominantemente católico na zona sudeste asiática. Além disso, a língua portuguesa utilizada como língua na luta contra os indonésios tornou-se uma das línguas oficiais de Timor-Loros’ae.
No âmbito do mundo futebol, Timor-Leste tem grande influência de Portugal, na medida em que, hoje em dia, existem alguns clubes de futebol que adoptaram nomes parecidos ou quase parecidos com os clubes de futebol existentes em Portugal: o clube de SLB em Lisboa (Benfica) e o Clube de SLB (Sport Laulara e Benfica em Laulara - Aileu), ou clube de FC. Porto de Portugal e o clube de futebol de FC. Porto Taibessi.
A realidade indica também que, hoje em dia, muitos timorenses são portadores de dupla nacionalidade (timorense e português) e alguns portugueses casaram com timorenses e obtiveram igualmente dupla nacionalidade.
Por fim, com base nas notas acima descritas, Portugal para Timor é como um irmão, que nos abre a porta de acesso à Europa, e Timor para Portugal é como irmão, na medida em que Timor serve como porta de acesso à Ásia e também como a ‘casa’ dos portugueses na Ásia. Os dois povos são acolhedores e amáveis, logo, os portugueses são muito bem-vindos em Timor e os timorenses são muitos bem-vindos em Portugal - onde estiverem, sentem-se em sua casa. Assim, somos Timor-Leste em Portugal e Portugal em Timor-Leste, pois é verdade que somos irmãos.
Texto de Paulo S. Martins
[1] Disponível em http://timor-leste.gov.tl/?p=13165, acesso no dia 01 de junho de 2017.
[2] Disponivel em http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/trovante-timor.html, acesso no dia 01 de junho de 2017.