Direito à vida é um direito basilar da vida humana. É um direito fundamental que está sempre presente em todas as leis fundamentais de um Estado. Este direito à vida exige que o terceiro e o próprio Estado devem respeitar. E ao Estado, cabe-lhe adotar medidas necessárias para proteger a vida dos seus cidadãos e criar as condições necessárias para exercer este direito com dignidade.
A questão de constitucionalidade ou não da morte medicamente assistida ou eutanásia torna-se um ponto de debate atual e principalmente em Portugal com o novo projeto da lei na Assembleia da República Portuguesa que pretende despenalizar a morte medicamente assistida.
Na sequência do projeto lei em causa, entende Vital Moreira (vide ref. 1) que " Constituição não é veículo mais apropriado para decidir as grandes aporias morais e religiosas". Ou seja, segundo este constitucionalista, se considerasse que deve penalizar a morte medicamente assistida devido ao receio de cometer um pecado seria melhor fundamenta com outro fonte que não seja da Constituição e das leis.
Pois, o constitucionalista defende que “o direito à vida, tal como todos os direitos individuais, visa antes de mais proteger a vida de cada um contra terceiros (o Estado ou outras pessoas), não propriamente contra o seu próprio titular”.
Perante a opinião do professor, se entender que o direito à vida visa proteger a vida não propriamente contra o seu próprio titular, leva-nos a entender que esta ideia não apenas admitir a morte medicamente assistida, mas admite ainda qualquer tipo de suicídio, suicídio assistido ou mesmo até na forma de tentativa de suicídio.
Sendo assim, se depararmos com alguém que, por qualquer motivo que seja, quer acabar com a sua própria vida, temos de deixá-lo a consumar o suicídio. Pois, se impedirmos esta pessoa, significa que estamos a intervir e violar o direito à vida desta pessoa.
Além disso, se alguém com estado tetraplégico que já não tem capacidade de decidir, não se pode fazer representar o seu consentimento através da família ou parentes, uma vez que se a família ou um dos parentes faça a representação nesta situação para conceder uma morte medicamente assistida, está a violar o direito à vida do seu titular.
Pois, como entende este professor “não se deve subverter a lógica defensiva contra terceiros dos direitos de personalidade e de liberdade, transformado-os em obrigações. Direito à vida significa direito a viver mas não uma obrigação de viver em qualquer circunstância”. Além disso, salienta ainda que “a invocação da dignidade humana” não serve para fundamentar a atual criminalização da eutanásia. “Pelo contrário, o que a meu ver é manifestamente ofensivo da dignidade humana é forçar a manter-se vivo, contra expressa e reiterada vontade sua, quem, sem nenhuma hipótese de sobrevivência, padece de sofrimento intolerável e deixou de ter qualquer sentido para a vida. Mais apropriado nesta questão é defender, em sentido contrário, a irredutível liberdade e autonomia pessoal na escolha de uma morte digna".
Portanto, não podemos partilhar a mesma opinião com o constitucionalista supramencionado por seguintes razões: i) o direito à vida é um direito fundamental que exige a sua proteção perante o terceiro, o Estado e até perante o seu titular. Pois, o direito à vida não significa que o titular deste direito pode acabar com o seu direito como se fosse um bem móvel ou imóvel; ii) o direito à morte no caso da morte medicamente assistida não é corolário do direito à vida. Portanto, deve assegurar a inviolabilidade do direito à vida conforme o que está nitidamente escrita na Constituição da República.
Posto isso, partilhamos a mesma opinião como os 15 professores catedráticos de direito público (vide ref. 2) que entendem que a despenalização, ou seja, a legalização da morte medicamente assistida viola em termos flagrantes, o primeiro dos direitos fundamentais – o direito à vida e a garantia da sua inviolabilidade”. “o direito à integridade pessoal e a garantia da sua inviolabilidade” e “a dignidade da pessoa humana, no contexto de uma sociedade solidária e de um Estado de direitos baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais”.
Porquanto, se admitir a morte medicamente assistida, está-se a admitir a violação da Constituição, principalmente na garantia da inviolabilidade do direito à vida humana e a dignidade da pessoa humana.
Pois, a morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa (eutanásia voluntária) ou por representação (eutanásia involuntária) constituem um acto de acabar com uma vida (vide ref. 3). Neste sentido, o acto consubstancia-se num acto violador da lei fundamental, na medida em que o acto em caso viola o direito à vida.
Portanto, o Estado deve assegurar a todos os seus cidadãos o direito à proteção da saúde. Além disso, cabe ao Estado defender e promover o direito à vida bem como implementar o acesso de todos os cidadãos aos cuidados médicos e o dever genérico de proteção dos mais frágeis.
P'lo Paulo S. Martins,
licenciado em direito e mestre em direito tributário
pela faculdade de direito da Universidade do Minho.